segunda-feira, 27 de outubro de 2008

II.O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas
Este livro, primeiramente, foi sendo publicado aos poucos; eram pequenas tiras que circulavam no jornal da época, chamado de folhetim. A cada dia, quem sabia ler podia, por assim dizer, assistir a sua novela.
1. Algumas Características do romance de Machado de Assis
O personagem central desta obra é Brás Cubas contando, em primeira pessoa, suas aventuras e desventuras. Ainda criança, ele se diverte montando em um escravo como se fosse seu cavalo. O narrador assim se caracteriza no capítulo nove: “Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de ‘menino – diabo’; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso".(p. 26) Acrescentando, mais adiante: “Não se conclua daqui que eu levasse todo o resto de minha vida a quebrar a cabeça dos outros nem a esconder–lhes os chapéus; mas opiniático, egoísta, e algo contemptor dos homens, isso fui; se não passei o tempo a esconder – lhes os chapéus, alguma vez lhes puxei, pelo rabicho as cabeleiras”. (p.26).O fato é que, enquanto narra, o personagem vai sendo pintado para o leitor, mas é nos capítulos iniciais do romance que ele se apresenta com mais ênfase: “Outrossim, afeiçoei – me à contemplação da injustiça humana, inclinei – me a atenuá–la, a explicá–la, a classificá–la por partes, a entendê–la não segundo um padrão rígido, mas ao sabor das circunstâncias e lugares”. No ano de 1822, Brás Cubas tinha dezessete anos e, assim, mostra-se ao leitor: “...pungia – me um buçozinho que eu forcejava por trazer a bigode. Os olhos, vivos e resolutos, eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia se era uma criança com fumos de homem, se um homem com ares de menino.” (p.26). Mais traços da curiosa personalidade de Brás Cubas podem ser observados quando ele fala de Marcela, sua primeira aventura amorosa: “Primeira comoção da minha juventude, que doce que me foste! Tal devia ser, na criação bíblica, o efeito do primeiro sol, a bater de chapa na face de um mundo em flor. Pois foi a mesma coisa, leitor amigo, e se alguma vez contaste dezoito anos, deves lembrar – te que foi assim mesmo”. (p. 34).Entretanto, adiante, ao se referir, mais uma vez, a seu caso amoroso com Marcela ele diz a célebre frase: “Marcela amou – me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos”. Anos depois, quando volta a se encontrar com Marcela ela está com o rosto deformado pela varíola. Desfeito o romance com Marcela, o pai de Brás Cubas obriga – o a estudar em Portugal, Coimbra. Lá, ele bacharelou – se, mas veja o que ele afirma sobre esse fato: “Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estróina, superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo a pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas”.(p. 42)Retorna de Coimbra, morre–lhe a mãe e ele conhece Eugênia, moça de dezessete anos, mas não chega a ter um romance com ela. Parece que Eugênia mancando de uma das pernas não combina com o narrador, manco no espírito. Sobre ela, afirma o narrador: “... foste aí pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor, triste como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa, até que vieste também para esta margem.” (p.56) A certa altura da narrativa o Brás Cubas, novamente afirma sobre ela: “O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?” (p. 54) A última mulher que aparece na vida de Brás Cubas, Eulália, com a qual ele estava disposto a casar, morre aos dezenove anos. Sobre ela, afirma o narrador: “Era notável a diferença que ela fazia de si mesma; estudava–se e estudava–me. A vida elegante e polida atraía – a, principalmente porque lhe parecia o meio mais seguro de ajustar nossas pessoas”. (p. 122) Outro caso amoroso que a história apresenta é com Virgília, filha do Conselheiro Dutra. Sobre ela, logo de saída, ao conhecê–la, diz o narrador: “...e o nosso olhar primeiro foi pura e simplesmente conjugal. No fim de um mês estávamos íntimos”. E mais adiante: “Positivamente, era um diabrete Virgília, um diabrete angélico, se querem, mas era – o, e então...” Na seqüência, perde Virgília para Lobo Neves e morre–lhe o pai. No entanto, mesmo com Vírgilia casada, eles iniciam um romance adúltero, sem que o narrador expresse o menor sentimento de culpa. Diz o narrador: “Sim senhor, amávamos. Agora, que todas as leis sociais no–lo impediam, agora é que nos amávamos deveras. Achávamo-nos jungidos um ao outro, como as duas almas que o poeta encontrou no purgatório”. Nos capítulos seguintes Brás Cubas continua a escrever versos e comentários políticos. Assim, Brás Cubas acaba solteiro e sem filhos. Depois da morte de Eulália, ele tenta se candidatar ministro, mas, em virtude da mediocridade do discurso por ele apresentado, acaba sendo rejeitado. Em seguida ele funda um jornal para atacar os políticos que não o aceitaram. Tempos depois adoece e morre. Um pouco antes de sua morte, ainda no início do livro, recebe a visita de Virgília que vem acompanhada do filho.No final do último capítulo o narrador deixa a frase célebre: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
Brás Cubas, “autor – defunto”, narra em primeira pessoa um enredo caracterizado, no vídeo, pelo crítico e ensaísta Roberto Schwarz como banal. Não há em Machado de Assis preocupação de povoar a narrativa com muitos acontecimentos; ele preocupa – se muito mais com a análise das personagens através de profundas reflexões. Assim, o narrador vai conversando com o leitor e analisando a própria narrativa, interrompendo – a sucessivamente para que o leitor possa refletir sobre aquilo que está sendo lido.“O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago – me da tarefa; se te não agradar, pago –te com um piparote, e adeus”. Como nos diz Schwartz, no vídeo, a presença do narrador em Memórias “é um insulto ao leitor”.

Nenhum comentário: