terça-feira, 30 de dezembro de 2008

CAMPO DE FLORES

Deus me deu um amor no tempo de madureza,
quando os frutos ou não são colhidos ou sabem a verme.
Deus - ou foi talvez o Diabo - deu-me este amor maduro,
e a um e outro agradeço, pois que tenho um amor.
Pois que tenho um amor, volto aos mitos pretéritos
e outros acrescento aos que amor já criou.
Eis que eu mesmo me torno o mito mais radioso
e talhado em penumbra sou e não sou, mas sou.
Mas sou cada vez mais, eu que não me sabia
e cansado de mim julgava que era o mundo
um vácuo atormentado, um sistema de erros.
Amanhecem de novo as antigas manhãs
que não vivi jamais, pois jamais me sorriram.
Mas me sorriam sempre atrás de tua sombra
imensa e contraída como letra no muro
e só hoje presente.
Deus me deu um amor porque o mereci.
De tantos que já tive ou tiveram em mim,
o sumo se espremeu para fazer um vinho
ou foi sangue, talvez, que se armou em coágulo.
E o tempo que levou uma rosa indecisa
a tirar sua cor dessas chamas extintas
era o tempo rriais justo. Era tempo de terra.
Onde não há jardim, as flores nascem de um
secreto investimento em formas improváveis.
Hoje tenho um amor e me faço espaçoso
para arrecadar as alfaias de muitos
amantes desgovernados, no mundo, ou triunfantes
e ao vê-los amorosos e transidos em torno,
o sagrado terror converto em jubilação.
Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.
Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde.
(Carlos Drummond)

Passa uma borboleta

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
Fernando Pessoa
(do “Guardador de Rebanhos” - Alberto Caeiro)

A Alma do Poeta

A alma do poeta é emoção
É ilusão.
É capaz de criar, recriar, combinar...
E ver em uma gota de água, um pedacinho do mar.
E chega, na alegria, ao êxtase mais embriagante.
E, na tristeza, a dor mais lancinante.
Sofre, morre, se dissolve.
E sorri, e respira, e encontra.
A beleza existente nas menores coisas do viver.
A alma do poeta chega até a luz, e as estrelas.
E se inflama no solE se embebe de pureza.
Nas profundezas do mar.
O poeta transforma suas mais profundas sensações.
Em cores dos sonhos mais belos.
Em sons que reproduzem a melodia da criação.
Em palavras que mudam o mundo.
A alma do poeta.
Tem tempo e sensibilidadePara parar e ver o mundo.
E ver a realidade.
Brinca de imitar Deus, na magia da criação.
A alma do poeta.
É só emoção!
(Alba Krishna Topan Feldman)
Nós somos poetas constantes
da vida
dos sonhos
dos amores.
Do nosso cotidiano
que possamos escrever,
desenhar, inventar
e reinventar a História
Em 2009.
felicidades
e muitos bjus no coração.
Irane
Era uma vez um escritor que morava em uma tranqüila praia, junto de uma colônia de pescadores. Todas as manhãs ele caminhava à beira do mar para se inspirar, e à tarde ficava em casa escrevendo.
Certo dia, caminhando na praia, ele viu um vulto que parecia dançar. Ao chegar perto, ele reparou que se tratava de um jovem que recolhia estrelas-do-mar da areia para, uma por uma, jogá-las novamente de volta ao oceano.
"Por que está fazendo isso?" - perguntou o escritor."Você não vê! --explicou o jovem-- A maré está baixa e o sol está brilhando. Elas irão secar morrer se ficarem aqui na areia".
O escritor espantou-se:"Meu jovem, existem milhares de quilômetros de praias por este mundo afora, e centenas de milhares de estrelas-do-mar espalhadas pela praia.
Que diferença faz? Você joga umas poucas de volta ao oceano.
A maioria vai perecer de qualquer forma".O jovem pegou mais uma estrela na praia, jogou de volta ao oceano e olhou para o escritor."Para essa aqui eu fiz a diferença...".
Naquela noite o escritor não conseguiu escrever, sequer dormir. Pela manhã, voltou à praia, procurou o jovem, uniu-se a ele e, juntos, começaram a jogar estrelas-do-mar de volta ao oceano.
Sejamos, portanto, mais um dos que querem fazer do mundo um lugar melhor.
Sejamos a diferença!
Beijos e felicidade!!!!
Feliz 2009!!!
Boas Férias!!!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Agradecimentos

Boa Tarde!!
Alunos queridos da 1ª série do Ensino Médio (Sesi/Senai - EBEP).
Primeiramente agradecer a Deus a permissão de estarmos juntos durante o ano de 2007.
Tem momentos que explodimos de alegria, emoção, raiva, tristeza, preguiça. Enfim, tantos e tantos iiiiiis que esqueci de dizer: adoro vocês.
Sou briguenta: minha maneira de ser!!!
Sou alegre: estado permanente!!!
Sou confiante: acredito naquilo que faço!!!
Sou criativa: penso no que podemos modificar!!!
Sou elétrica: adoro mexer e remexer no que já existe!!
Sou brincalhona: tristeza não adianta!!
Sou debochada.... sou escrachada.... sou petulante... sou respondona... sou malcriada... sou palhaça.... sou mãe... sou amiga... sou colega.... sou parceira.... No tudo SOU EU SEMPRE.
Voces são meus amigos... minhas cobaias.... minha razão de trabalhar.
Tenho sempre comigo: imagem e gestos de cada um.
Busco valorizar cada um na sua singularidade.
E assim vamos colorindo, inventando e reinventando nosso cotidaiano escolar.
As aulas ficam mais alegres, gostosas e prazerosas e sem VOCÊS nada disso aconteciria.
Parabéns, parabéns e parabéns!!
Obrigada!
Valeu !
Nossa parceria em nossas maluquices- malucadas, loucuras-loucas foram perfeitas.
Desculpe pelas falhas, brigas, respostas atravessadas, etc...
Vamos tentar dar uma arrumadinha no próximo ano.
Feliz natal!!
Boas Férias!!!
Aproveitem que em 2009 novas loucuras-loucas nos aguardam!!!
Bjus no Coração...
Irane (08/12/008)

sábado, 8 de novembro de 2008

1. Eleições EUA: Barack Obama, primeiro negro a chegar à Presidência dos Estados Unidos
Artigo publicado em 05/11/2008
Com vitória arrasadora, democrata é o primeiro negro a chegar à Presidência dos Estados Unidos.Barack Hussein Obama Jr, de 47 anos, foi eleito na terça-feira, 4, o 44º presidente dos Estados Unidos. Ele será o primeiro afro-americano a ocupar o cargo. De acordo com projeções baseadas na apuração de votos e em pesquisas de boca-de-urna, o senador democrata de Illinois tem 338 votos no colégio eleitoral contra 163 de seu rival republicano John McCain. Com 75% dos votos apurados, ele tem 52,4% do voto popular, contra 47,6% do rival. Até agora, 56,4 milhões de americanos votaram no democrata e outros 48,3 milhões escolheram o republicano.
Pouco antes da meia-noite, em novembro do ano passado, Barack Obama, então em desvantagem nas pesquisas de opinião, subia ao palco em um auditório mergulhado na escuridão em Iowa, enfrentando um dos maiores nomes da política democrata, e um momento crucial, de grandes decisões. A grande virada, a partir da qual se tornaria um astro, quando se apresentara aos Estados Unidos na convenção democrata de 2004, era uma lembrança distante; sua campanha presidencial, iniciada nove meses antes, às vezes, fora bastante sem brilho. Ele sabia que o estado de Iowa poderia ser o fim - ou então o começo. Naquela noite, os democratas estavam reunidos para o jantar de comemoração do Dia de Jefferson-Jackson, em Des Moines. Menos de dois meses antes dos primeiros caucus cruciais do país, realizados em Iowa, o evento poderia ser determinante para os aspirantes à presidência. E Barack Obama, um político de bom senso e orador particularmente dotado, estava preparado para a batalha. Obama, o último candidato a falar, considerado por alguns frio e cerebral demais, esquentou a atmosfera e o público com um apelo apaixonado.
Ele condenou as mesmas "velhas campanhas segundo o manual de Washington", criticou os colegas democratas - até deu indiretamente um tapa na então favorita Hillary Clinton. "Não estou nesta campanha para satisfazer velhas ambições ou porque acredito que seja algo que eu mereço", declarou. "Nunca imaginei que estaria aqui. Sempre soube que esta jornada seria improvável Nunca participei de uma jornada que não fosse." Os milhares de pessoas que o ouviam puseram-se de pé e o aplaudiram. Ele começava o seu caminho. No ano que se passou desde então, Obama conquistou o centro do poder democrata, quebrou todos os recordes de arrecadação de fundos, e fez história ao tornar-se o primeiro negro indicado de um partido importante. A vida de Barack Obama não foi nada convencional, desde o começo. Sua biografia - mãe branca, pai africano, infância no Havaí e na Indonésia, seu trabalho numa das comunidades mais pobres do país, os estudos e a carreira de docente em algumas das universidades mais prestigiadas dos EUA - é diferente da de qualquer outro candidato à presidência.
Se por um lado esta formação eclética impulsionou sua extraordinária ascensão, por outro, o nome estrangeiro e a raça tornaram sua candidatura algo de difícil aceitação em algumas partes dos EUA. A mãe, nascida no Kansas, o pai originário do Quênia, o encontro dos dois na Universidade do Havaí, seu casamento, o nascimento de Barack - o "abençoado", em árabe - no dia 4 de agosto de 1961. A infância exótica na Indonésia, pátria do pai adotivo; a convivência com a pobreza do Terceiro Mundo.
Depois do colégio, Obama cursou o Occidental College de Los Angeles, onde mergulhou pela primeira vez na política ao discursar em um comício contra o apartheid. Mas ele queria horizontes mais largos, então atravessou o país para estudar na Universidade de Colúmbia, em Nova York, onde se formou em Ciências Políticas. Depois de Nova York, mudou-se para Chicago. Não conhecia ninguém na cidade. Aceitou um emprego que pagava pouco com uma missão formidável: motivar os pobres a participar de um sistema político que tradicionalmente os excluía.
Tinha uma Honda velha com a qual se deslocava para a sua função de organizador da comunidade pelas ruas do South Side, uns bairros pobres devastados pela perda de empregos nas siderúrgicas e nas fábricas. Obama deu então um salto gigantesco: da pobreza do South Side para a atmosfera embriagadora da Faculdade de Direito de Harvard, a escola que prepara os filhos das elites dos Estados Unidos. Depois do primeiro ano, Obama trabalhou durante um verão em um escritório de advocacia em Chicago, onde Michelle Robinson foi sua assessora, outra estudante de Direito de Harvard e produto de uma família da classe trabalhadora. Casaram-se e tiveram duas filhas.
Enquanto Obama se preparava para deixar Harvard, recebeu várias propostas de emprego. Mas retornou a Chicago para seguir a carreira política. Novamente, preferiu um emprego modesto. Entrou numa pequena firma de advocacia com muitos contatos na política, que atuava na área de direito civil. Em 1996, quando foi eleito para o Senado estadual, alguns legisladores o tacharam de liberal fechado numa torre de marfim. "Ele costumava se interessar por tudo", afirma o ex-senador estadual Denny Jacobs.
Entretanto, Obama fracassou redondamente em 2000, quando concorreu com o congressista Bobby Rush, um antigo membro dos Panteras Negras. Dois anos mais tarde, Obama decidiu aspirar a outro cargo, dessa vez no Senado federal. Ganhou as primárias bastante concorridas e logo se destacou como um astro em ascensão, impressionando o indicado democrata às eleições presidenciais, John Kerry. No outono de 2004, com uma votação esmagadora, Obama obteve a cadeira de senador dos Estados Unidos. Quase imediatamente, começou-se a falar em sua candidatura para a presidência.
Nos 22 meses de sua campanha, ele trilhou um caminho apertado, apresentando-se aos EUA como um rosto novo e como um candidato que não se enquadrava na política tradicional - mas com o conhecimento e o estofo necessários para chegar à Casa Branca. Durante toda a campanha, Obama falou de momentos de definição - depois de sua vitória inicial nos caucus de Iowa, e de meses difíceis, ganhou finalmente um número suficiente de delegados para conquistar a indicação democrata. Naquela noite de junho, ele começava a fazer história.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

AVISO URGENTE
LEIAM, COPIEM E DIVULGUEM O MAIS RÁPIDO POSSÍVEL
SESI – SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRI
SENAI - SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM
ESCOLA ANNA ADELAIDE BELLO EBEP/ NÍVEL MÉDIO
PROFESSORA: IRANE DA CONCEIÇÃO TURNO: MATUTINO/VESPERTINO
SÉRIE: 1ª TURMA: A/B/C/D/E/F
ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA / 4º BIMESTRE
TAREFAS:
1. Leitura do capítulo “sociedade, cultural e cotidiano no Brasil imperial”, marcando os principais pontos, responder as questões entre o mesmo - (entregar no dia 4/11/08);
2. Baseado no capítulo “sociedade, cultural e cotidiano no Brasil imperial”. PESQUISAR os seguintes itens e/ou palavras: interpretação que o autor faz da escravidão e da abolição;sobre a organização da propriedade da terra no Brasil do final do século 19;Família “dependente, agregada”, que eram grandes proprietários rurais; leiam sobre a Lei do Ventre-Livre e a Lei Áurea passado)escravidão na atualidade e no Maranhão (presente); os significados da expressão “periferia do capitalismo” ou das palavras “periferia” e “capitalismo” e os registrem em seus cadernos capitalismo; por que Machado de Assis foi denominado de "mestre na periferia do capitalismo".
a) Biografia de Machado de Assis;
b) Sobre o romance, Memórias Póstumas de Brás Cubas (livros, revistas ou internet): algumas características (personagem central, local, reflexões, contexto social, fase realista);
3. A partir de suas pesquisas sobre a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (livros, revistas ou internet), do filme de mesmo nome relacionar os temas abaixo com o capítulo “sociedade, cultural e cotidiano no Brasil imperial”, Sociedade e cultura maranhense na fase do Segundo Reinado, apontando trechos do mesmo e a Sociedade brasileira/ maranhense na atualidade (educação, cultura, economia, escravidão,divisão do trabalho, violência).
a) “(...) viveu numa época em que jovens brancos e ricos tinham condições para estudar e completar o ensino superior, o que faziam geralmente em Portugal (...)”; Educação (passado/presente)
b)“[...]antevia a abolição dos escravos, mas já sabia que a estrutura básica da sociedade não seria alterada [...]”; herança cultural (passado/presente)
c) [...] Ele não via o Brasil caminhando em direção a uma sociedade igualitária, democrática, pelo contrário, ele representou a forma e os mecanismos criados pela sociedade para garantir estratégias de privilégios e de exclusão[...]; Economia: (passado/presente);
d) às elites do seu tempo, ironizando o autoritarismo e a sociedade senhorial. Sociedade (passado/presente);
e)“[...]no mundo das elites, donas de escravos, em 1800; um ambiente em que predominava a preguiça e o descanso [...]”. divisão de trabalho (passado/presente);
f)“[...] a herança da escravidão ainda não foi totalmente superada. Ela subsiste no preconceito, na descriminação racial e social, na marginalização dos negros e na existência do trabalho escravo em algumas regiões de nosso país [...]. Escravidão/Preconceito racial (passado/presente);
g) “O vergalho” (capítulo)para comentar que Brás Cubas, vê uma briga na rua em que um negro bate em outro [...] o escravo, agora liberto, dono de uma quitanda, era senhor de um escravo, e acusava seu novo escravo de alcoolismo [...]O autor nos mostra nesta passagem do romance e/ou filme que a escravidão e o racismo deixaram seqüelas emocionais (passado) e, que na atualidade, independente da cor as pessoas usam de violência;
4.Fazer uma Produção textual para ser lida em sala de aula – contendo todos os pontos pedidos (educação, cultura, economia, escravidão,divisão do trabalho, violência);
5. Debate: cada grupo apresentar um representante para cada tema acima citado (educação, escravidão, economia, divisão de trabalho, sociedade,herança cultural, preconceito racial e violência);
6. Tempo do debate: 15 minutos/ tema – 3 minutos/participante
7. Produzir Folders;
8. Livre:data show, televisão, DVD _ vale a criatividade do grupo
9. Assistir o filme “Memórias Póstumas de Brás Cubas – síntese;
10. Data: 4/5/6 de Novembro de 2008.
Observação: no Blog tem algumas informações relevantes
2. As duas fases do romance de Machado de Assis.
Os romances de Machado de Assis costumam ser divididos em duas fases. Segundo o crítico e ensaísta Roberto Schwartz, no vídeo, a primeira fase, contém “romances considerados convencionais, tanto por manterem – se presos às características dos romances do século XIX como pela abordagem do contexto social”. É, por assim dizer, a fase romântica do autor. A segunda fase vem depois das crises epilépticas de Machado e é como se tivesse havido uma evolução espiritual do autor. Esta é a fase, chamada realista. Roberto Schwartz nos diz que é nesta fase que Machado de Assis “dá a pena (de escrever)” às elites do seu tempo, ironizando o autoritarismo e a sociedade senhorial. Aspectos formais de Memórias Póstumas de Brás Cubas e a segunda fase de Machado de Assis
Espaço: O Rio de Janeiro. A natureza do livro permite que o narrador dispense pouca atenção à paisagem. O que importa são as reflexões desenvolvidas ao longo dos capítulos, no mundo das elites, donas de escravos, em 1800; um ambiente em que predominava a preguiça e o descanso. Uma das raras descrições de paisagem: “O morro estava ainda nu de habitações, salvo o velho palacete do alto, onde era a capela”. (p. 121).Linguagem: o processo narrativo desse romance de Machado de Assis pode ser estudado a partir da elasticidade de sua estrutura. Claro está que ele apresenta começo, meio e fim, mas, já no início, Brás Cubas fala de sua morte, no meio fala de sua vida, e no final, remete – nos ao primeiro capítulo e encerra o livro. Nessa narrativa, o narrador inclui outros gêneros literários utilizando, por exemplo, cartas e pequenas histórias. Os capítulos são curtos e todos eles têm um título como que para orientar o leitor a não perder de vista as intenções do narrador. O estilo brincalhão e galhofeiro deste livro está aliado a uma linguagem em que as frases exigem muita atenção e reflexão. “Então, considerei que as botas apertadas são uma das maiores venturas da terra, porque, fazendo doer os pés, dão azo ao prazer de os descalçar”. (p.56)
Cosmovisão do autor: a visão do mundo de Machado de Assis engloba observação aguda e análise profunda da realidade. Isto ele faz, através do humor, carregado de ironia e, também, através de um pessimismo que, longe de ser marcado pelo desespero ou pela angústia, propõe de forma irônica que se desfrutem os pequenos prazeres que a vida possa trazer, já que é impossível ser completamente feliz. Uma das célebres digressões de Brás Cubas sobre o homem: “...é uma errata pensante...cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes”. Esse modo de narrar, filosófico e cômico, aliado a outros elementos da narrativa, a linguagem e posição do narrador, por exemplo, transcorre em ritmo de Carnaval, o que levou o crítico José Guilherme Merquior a chamar o livro de “O romance carnavalesco de Machado”. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, brincadeiras e críticas se alternam para que o narrador execute sua crítica moral e, para isso, prevalecendo – se de fértil imaginação e laboriosa reflexão. Capítulos curtos e muitas digressões, através de constantes conversas com o leitor, são possíveis porque a estrutura desse romance é elástica, permitindo divertidas manobras. O simples fato de estar na boca de um narrador defunto a tarefa de narrar, permite que o autor abuse das críticas e dos comentários sobre o modo de vida dos homens de oitocentos, sem se comprometer. As relações todas entre as pessoas permitem vislumbrar a presença de um autor, pesando os fatos e as idéias. No vídeo, afirma o ensaísta e crítico literário Roberto Schwartz sobre o modo de Machado de Assis ver a realidade em suas obras da segunda fase: “Enquanto o Machado de Assis da primeira fase tinha uma visão de quem quer colaborar para ilustrar a sociedade, para aumentar o seu brilho, para torná–la mais civilizada, o da segunda fase dizia: isto aqui não tem remédio, isto aqui só tem cara de civilizado, na verdade é completamente bárbaro...” , antes ele havia dito sobre a primeira fase: “...não tem objeções ao modo de vida da sociedade brasileira, nem ao desejo de ascensão social) - .
II.O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas
Este livro, primeiramente, foi sendo publicado aos poucos; eram pequenas tiras que circulavam no jornal da época, chamado de folhetim. A cada dia, quem sabia ler podia, por assim dizer, assistir a sua novela.
1. Algumas Características do romance de Machado de Assis
O personagem central desta obra é Brás Cubas contando, em primeira pessoa, suas aventuras e desventuras. Ainda criança, ele se diverte montando em um escravo como se fosse seu cavalo. O narrador assim se caracteriza no capítulo nove: “Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de ‘menino – diabo’; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso".(p. 26) Acrescentando, mais adiante: “Não se conclua daqui que eu levasse todo o resto de minha vida a quebrar a cabeça dos outros nem a esconder–lhes os chapéus; mas opiniático, egoísta, e algo contemptor dos homens, isso fui; se não passei o tempo a esconder – lhes os chapéus, alguma vez lhes puxei, pelo rabicho as cabeleiras”. (p.26).O fato é que, enquanto narra, o personagem vai sendo pintado para o leitor, mas é nos capítulos iniciais do romance que ele se apresenta com mais ênfase: “Outrossim, afeiçoei – me à contemplação da injustiça humana, inclinei – me a atenuá–la, a explicá–la, a classificá–la por partes, a entendê–la não segundo um padrão rígido, mas ao sabor das circunstâncias e lugares”. No ano de 1822, Brás Cubas tinha dezessete anos e, assim, mostra-se ao leitor: “...pungia – me um buçozinho que eu forcejava por trazer a bigode. Os olhos, vivos e resolutos, eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia se era uma criança com fumos de homem, se um homem com ares de menino.” (p.26). Mais traços da curiosa personalidade de Brás Cubas podem ser observados quando ele fala de Marcela, sua primeira aventura amorosa: “Primeira comoção da minha juventude, que doce que me foste! Tal devia ser, na criação bíblica, o efeito do primeiro sol, a bater de chapa na face de um mundo em flor. Pois foi a mesma coisa, leitor amigo, e se alguma vez contaste dezoito anos, deves lembrar – te que foi assim mesmo”. (p. 34).Entretanto, adiante, ao se referir, mais uma vez, a seu caso amoroso com Marcela ele diz a célebre frase: “Marcela amou – me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos”. Anos depois, quando volta a se encontrar com Marcela ela está com o rosto deformado pela varíola. Desfeito o romance com Marcela, o pai de Brás Cubas obriga – o a estudar em Portugal, Coimbra. Lá, ele bacharelou – se, mas veja o que ele afirma sobre esse fato: “Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estróina, superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo a pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas”.(p. 42)Retorna de Coimbra, morre–lhe a mãe e ele conhece Eugênia, moça de dezessete anos, mas não chega a ter um romance com ela. Parece que Eugênia mancando de uma das pernas não combina com o narrador, manco no espírito. Sobre ela, afirma o narrador: “... foste aí pela estrada da vida, manquejando da perna e do amor, triste como os enterros pobres, solitária, calada, laboriosa, até que vieste também para esta margem.” (p.56) A certa altura da narrativa o Brás Cubas, novamente afirma sobre ela: “O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?” (p. 54) A última mulher que aparece na vida de Brás Cubas, Eulália, com a qual ele estava disposto a casar, morre aos dezenove anos. Sobre ela, afirma o narrador: “Era notável a diferença que ela fazia de si mesma; estudava–se e estudava–me. A vida elegante e polida atraía – a, principalmente porque lhe parecia o meio mais seguro de ajustar nossas pessoas”. (p. 122) Outro caso amoroso que a história apresenta é com Virgília, filha do Conselheiro Dutra. Sobre ela, logo de saída, ao conhecê–la, diz o narrador: “...e o nosso olhar primeiro foi pura e simplesmente conjugal. No fim de um mês estávamos íntimos”. E mais adiante: “Positivamente, era um diabrete Virgília, um diabrete angélico, se querem, mas era – o, e então...” Na seqüência, perde Virgília para Lobo Neves e morre–lhe o pai. No entanto, mesmo com Vírgilia casada, eles iniciam um romance adúltero, sem que o narrador expresse o menor sentimento de culpa. Diz o narrador: “Sim senhor, amávamos. Agora, que todas as leis sociais no–lo impediam, agora é que nos amávamos deveras. Achávamo-nos jungidos um ao outro, como as duas almas que o poeta encontrou no purgatório”. Nos capítulos seguintes Brás Cubas continua a escrever versos e comentários políticos. Assim, Brás Cubas acaba solteiro e sem filhos. Depois da morte de Eulália, ele tenta se candidatar ministro, mas, em virtude da mediocridade do discurso por ele apresentado, acaba sendo rejeitado. Em seguida ele funda um jornal para atacar os políticos que não o aceitaram. Tempos depois adoece e morre. Um pouco antes de sua morte, ainda no início do livro, recebe a visita de Virgília que vem acompanhada do filho.No final do último capítulo o narrador deixa a frase célebre: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”.
Brás Cubas, “autor – defunto”, narra em primeira pessoa um enredo caracterizado, no vídeo, pelo crítico e ensaísta Roberto Schwarz como banal. Não há em Machado de Assis preocupação de povoar a narrativa com muitos acontecimentos; ele preocupa – se muito mais com a análise das personagens através de profundas reflexões. Assim, o narrador vai conversando com o leitor e analisando a própria narrativa, interrompendo – a sucessivamente para que o leitor possa refletir sobre aquilo que está sendo lido.“O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago – me da tarefa; se te não agradar, pago –te com um piparote, e adeus”. Como nos diz Schwartz, no vídeo, a presença do narrador em Memórias “é um insulto ao leitor”.
MACHADO DE ASSIS
1. Apresentação do autor: (21 de junho de 1839. Numa casa modesta da Chácara do Livramento, na periferia do Rio de Janeiro, nascia Joaquim Maria Machado de Assis. Naquele momento, nada no ambiente que o cercava parecia indicar que o recém nascido estava destinado a se tornar o maior escritor brasileiro do século XIX e, talvez, de toda a nossa história literária. Sua cor era parda, quase negra. Seu pai, Francisco de Assis, era neto de escravos e pintor decorador, uma espécie de artista-operário que pintava paredes. Sua mãe, Maria Leopoldina, era branca de origem portuguesa. Trabalhava em serviços caseiros e fazia costuras para ajudar o marido. Embora pobres e humildes, não eram analfabetos. Pelo contrário, gostavam de ler, e é provável que seus hábitos de leitura tenham influenciado o menino. Entretanto, sua origem social e racial não contribuía para lhe tornar as coisas fáceis. Machado de Assis viveu numa época em que jovens brancos e ricos tinham condições para estudar e completar o ensino superior, o que faziam geralmente em Portugal. Ao que parece, não chegou nem mesmo a freqüentar regularmente uma escola. Sua mãe morreu muito cedo; o pai casou-se novamente, com uma brasileira Maria Inês, que passou a cuidar do menino. Aos 16 anos, já adolescente, saiu da periferia e passou a viver no centro da cidade. A essa altura da vida, já lia razoavelmente em inglês e francês. Tornou-se, então, aprendiz de tipógrafo da Tipografia Nacional e publicou seu primeiro trabalho literário, um poema, num jornal chamado A Marmota Fluminense. Passa a trabalhar no Ministério da Agricultura, a partir de 1874, numa seção que tinha entre suas funções, garantir a execução da Lei do Ventre-Livre, editada em 28/09/1871. Permaneceu nesse cargo por trinta e cinco anos, com sucessivas promoções. Escreveu para diversas revistas e jornais. Publicava críticas literárias, peças de teatro, poemas, crônicas e contos cada vez melhorem e mais interessantes. Entretanto, só lançou seu primeiro romance, Ressurreição, em 1872, quando já tinha mais de 30 anos de idade. Nessa época, ele já era bastante conhecido como jornalista e escritor.
o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (Em 1881, era publicado) - famosa e importantíssima para a literatura brasileira, essa obra é considerada um marco: com ela se inicia um movimento literário chamado Realismo - O autor registrou o modo de ser da sociedade senhorial e escravista, para criticá-la, utilizando a ironia e mostrando a conduta artificial, insensível e egoísta da classe dominante. Ele antevia a abolição dos escravos, mas já sabia que a estrutura básica da sociedade não seria alterada. Ele não via o Brasil caminhando em direção a uma sociedade igualitária, democrática, pelo contrário, ele representou a forma e os mecanismos criados pela sociedade para garantir estratégias de privilégios e de exclusão. Por mais que mudasse, continuaria a mesma “você pode trocar de roupa sem mudar de pele”. Isto é: continuar a mesma coisa.
A grandeza de Machado de Assis está justamente aí: ao narrar histórias individuais das classes ricas, tratou com ironia e sutileza questões importantes da sociedade da época, dando ao leitor a oportunidade de também pensar sobre essas questões.Machado de Assis foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Deixou uma obra vastíssima, entre romances, livros de poemas, contos, crônicas e peças de teatro. Além de romances, já citados, escreveu Dom Casmurro, Quincas Borba, Helena, Iaiá Garcia, Esaú e Jacó e diversos outros. Morreu em 29 de setembro de 1908, quatro anos depois de sua mulher, Carolina Xavier de Novais, grande amor de sua vida, com a qual foi casado durante trinta anos.
Valeu galera!!
Vamos usar os remédios e principalmente divulgar as Bulas- criadas e elaboradas!
Gosto bom ou péssimo- depende de quem vai tomar.
Quanto à vcs mais uma vez PARABÉNS...........PARABÉNS............PARABÉNS.
Até a próxima MALUQUICE-MALUCA.
I.........

domingo, 26 de outubro de 2008

Escritor Eterno - Arthur Azevedo
Foi um maravilhoso escritor maranhense,que começou a se dedicar à literatura na adolescência.
Dividia o seu talento na escrita de crônicas , contos , poemas , críticas , ensaios e peças teatrais,fazendo da arte sua sobrevivência.
Viveu em uma época em que seu estadoestava expandindo a sua economia.
O seu destino seria virar um importante comerciante.
Mas foi à luta , porque deixar o seu sonho de lado não podia.
E se tornando necessário .
Estendia a mão àqueles que precisavam , pois , além de tudo , a humildade fazia parte do homemque com suas palavras a todos encantava.
Alguns anos depois de sua morte.
O poeta recebeu um agrande homenagem.
O Teatro Uniçaipassou a se chamar Teatro Artur Azevedo.
Hoje , 22 de Outubro de 2008 ,
se comemora o centenário de morte de um escritor eterno:Artur Azevedo.
Autora:Juliana Ribeiro.
1°F-vesp.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Gosto de ser Professora.
Apesar de tudo.
Apesar de todos foi a profissão que escolhi e que me orgulho de ter.
Gosto de ensinar e aprender e.
É neste devir constante, nesta relação permanente, que está a magia desta profissão (que tem vindo ser tão desrespeitada pela sociedade em geral e pelos governos em particular).
E continuo a sorrir, a cada dia que chega, a cada semana que torna a cada ano que (nunca) se repete, apesar do cansaço e do stress que vão ficando acumulados com o tempo que vai passando.
As razões deste Sorrir?
São três.
A Primeira;
A Única;
E
Última, são os alunos.
Os meus alunos.
Sois, definitivamente, a razão do meu sorrir!!!
Ser Professor é um desafio.
À vontade e à motivação.
Ser Professor é acreditar.
Na força dos jovens e nas suas capacidades.
Ser Professor é querer.
Ajudar na formação e educação dos jovens de,
Hoje mas Homens de Amanhã.
Ser Professor é ser amigo.
Que ajuda incondicionalmente mas que critica construtivamente quando há erro.
Ser Professor é ser bombeiro.
Do fogo cruzado dos afectos e das emoções que.
Todos condiciona sem excepção.
Ser Professor é ouvir.
O silêncio de um olhar.
O barulho de uma lágrima.
A alegria de um sorriso ou
O calor de um abraço.
Ser Professor é observar.
Perscrutar atitudes,.
Ler nas entrelinhas.
Olhar e ver para além do que os olhos alcançam.
Ser Professor é estar.
Disponível para um sorriso e
Estendendo a mão e dizer “estou aqui”;
Ser Professor é construir e reconstruir.
Construir alicerces para a vida e reconstruir os caminhos perdidos.
Ser Professor é Ser.
Apenas isso.
É o que tento.
Todos os dias.
Um de cada vez.
Ensinando e aprendendo;
Sorrindo;
Desafiando;
Acreditando;
Querendo;
Dando a mão;
Apagando fogos;
Ouvindo;
Abraçando;
Observando;
Estando;
Construindo e reconstruindo;
Sendo.
Eu própria.
Sempre!!!!


Esse poema encontrei na NET.
Mas, ele declama minha homenagem aos professores (as)
E a minha real convicção de que faço aquilo que gosto e faço da melhor maneira que sei fazer.
Brinco com o conteúdo para seriamente apreendermos os fatos.
Mexo e remexo. ...
construo e desconstruou....
Faço e refaço minha própria história.
Dessarumo o que posso
E arrumo o que não posso
Vou inventando e desinventando meu cotidiano .
Alegrando e enfeitando.
Descubro, invento.
Sou cientista, sou palhaça...
Sou amiga, sou maezona.
Sou bruxa, sou malvada
Investigadora, e criança.
Critica e brincalhona
Sou persistente e sobrevivente.
Sou de tudo um pouco.
Quero resposta, quero perguntas.....
Quero mudanças e certezas.
Quero trocar informações e aprender com o aluno(a) e com outros.
Tenho sede de conhecimentos e tento aplacá-la , buscando valorizar essa eterna magia: de ser professor(a).
Histor-Irane eu VOU
Histor-Irane eu SOU...

Feliz dias dos Professores aos meus companheiros do Sesi/Senai!!!!

I....

HISTÓRIA DA FEIRA DA PRAIA GRANDE DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO
(Wanderson Ney Lima Rodrigues /Amarilis Cardoso Santos/ Ingrid Pereira de Assis/ Stephanie Laís Silva Félix/ Franklin Douglas Ferreira )
Esta pesquisa buscou resgatar a história do mercado mais antigo do Maranhão, a Feira da Praia Grande. Nos séculos XVIII e XIX, a região da Praia Grande (primeiro bairro de São Luís-MA) tornou-se um pólo mercadológico de nível estadual, nacional e mundial, sendo ponto de carga e descarga dos mais variados produtos. O surgimento do mercado é apresentado dentro desse contexto. O posterior declínio e a recente revitalização do espaço também são abordados. Leva-se em consideração nesse trabalho, a série de transformações que influenciaram na maneira pela qual seus visitantes e feirantes se relacionam uns com os outros. Para compreensão deste fenômeno, trabalhou-se com os conceitos de hibridismo cultural de Peter Bruke e Néstor García Canclini. A feira antes tida como um espaço para a aquisição de produtos de primeira necessidade, contemporaneamente passa a ser encarada como um local de trocas culturais, de apresentações folclóricas e de manifestações religiosas. São essas características que tornam o Mercado da Praia Grande diferente de todos os outros de São Luís do Maranhão.
A Feira da Praia Grande, também denominada Curro, Terreiro, Celeiro Público, Casa da Praça e Casa das Tulhas, concentrou períodos de ápice e declínio, fruto das modificações ocorridas em São Luís ao longo do tempo. Sua abertura oficialmente ocorreu no ano de 1805. Em 1820 foi transformada em órgão público e em 1833 foi extinta via edital público. Em 1855 foi reformada e reaberta. Quase um século depois, em 1948, sofreu uma reforma ampla. Em razão da revitalização do Centro Histórico de São Luís, sua estrutura física foi, mais uma vez, modificada em 1982. Dentro do mercado grupos de capoeira e tambor de crioula se apresentam semanalmente. Um santo conhecido como São João das Laranjeiras ganhou uma capela e um festejo, que é comemorado desde meados os século XX. Logo, percebe-se que o local é tido como um campo agregador de outros campos. O religioso, o folclórico e o comercial se fundem de maneira surpreendentemente harmoniosa nesse espaço.
Através dessas constatações percebeu-se que a Feira da Praia Grande passou por inúmeras modificações estruturais, sociais, culturais, tecnológicas, que propiciaram o surgimento de novas configurações e valores totalmente diferenciados, dos vividos na época áurea do comércio do século XVIII ao momento da sociedade do consumo e do espetáculo do século XXI, cujas trocas simbólicas e culturais se processam numa velocidade impressionante. O mercado continua atraindo diversos visitantes, mas sua utilidade não é restrita ao campo comercial. A feira passou a ser encarada como um local de trocas culturais, um espaço de socialização, que transcende o econômico e se insere no contexto das manifestações folclóricas e religiosas.

São Luís do maranhão - versos e prosa
Os olhos azuis e mareados de dona Vitória Peres Castro, São Luís do Maranhão é um sobrado de azulejos com 22 janelas e duas vistas. Ali, entre escombros do teto e incertezas do piso, a mulher, já velha e curva, tem a memória algemada às ruínas da casa.
Jamais sai de lá. Aos 83 anos, Vitória (foto)mesmo nome da santa padroeira da cidadeteme que lhe roubem a propriedade, no passado morada luxuosa, agora arremedo de abrigo. Vive trancada por fora, por cadeado aberto apenas uma vez por dia pela moça que lhe deixa o bandeco ou marmita, como é chamada pelos maranhenses.
Há três anos Vitória não sai à rua. Na última vez em que atravessou a porta de madeira, foi até o poste mais próximo, deixou uma imagem do Menino Jesus de Praga e retornou aos escombros do que chama palacetefoi erguido no século XIX quando São Luís já entrara em decadência.
Cem anos antes, nos tempos da colônia, a cidade que dona Vitória apelidou de. meu mundo.chegou a ser terceira maior do Brasil. Cresceu de tamanho e importância porque o primeiro-ministro português Marques de Pombal criou ali, em 1755, a Companhia Geral de Comércio do Grão Pará-Maranhão.
Tinha o monopólio da venda do algodão e do açúcar, principais produtos no mercado mundial da época. A ilha de São Luís prosperou e ganhou calçamento de pedras de granitochamadas de calcetas que eram carregadas por escravos e presos. Sob a casa de dona Vitória, fizeram a escadaria Vira-Mundo, que era tão enorme quanto irregular.
Nas redondezas, dona Vitória tem fama de louca. Quando está brava derrama baldes d. água em quem passa e proíbe a criada de entrar. Pega a comida por uma cordinha amarrada aos ferros da sacada. Quando está alegre, é dali que a mulher de cabelos longos e brancos se debruça sobre o parapeito e aprecia São Luís.
Enxerga uma cidade que resume o Brasil e ganhou status de Patrimônio Histórico da Humanidade, tombada ano passado pela Unesco. Resume o passado mestiço brasileiro porque nasceu francesa, foi holandesa e tem traçado portuguêserguida para os brancos, pelas mãos de negros e índios.
.Essa ilha é a chave de todo o país., ensinou o frei capuchinho Claude d. Abbeville, um dos 500 integrantes da missão francesa que, em oito de setembro de 1612, fundou ali a França Equinocial. D. Abbeville é autor da única e preciosa descrição da Saint Louis primitiva, tão diferente da que hoje aparece nas janelas de dona Vitória.
Os relatos destes dois temposo de d. Abbeville com seu éden inicial que prometia futuro e o da São Luís moderna que exala passado estão no 13º capítulo da série mensal. 500 anos, redescobrindo o Brasil., que o Correio Braziliense publica desde janeiro de 1998.
A equipe do Correio passou sete dias no mundo de dona Vitória e de outros anônimos que fazem, dali, lugar único onde se come cachorro-quente de carne moída, se bebe o refrigerante rosa Guaraná Jesus e se mistura tudo à amarela farinha d. água.


A cidade
Em primeiro lugar cabe observar que essas aldeias não são como as nossas, e menos ainda se parecem com cidades bem edificadas, cercadas de baluartes ou trincheiras, ou ainda de fossos, com ricos palácios, belas residências e castelos inexpugnáveis. Suas aldeias, a que chamam de Tabapovoação, o lugar onde pousam muitosnão passam de quatro cabanas. As quatro casas formam uma aldeia; entre maiores e menores existem vinte e sete em toda a Ilha do Maranhão.. .
A única capital brasileira que nasceu francesa não guarda vestígio algum dos tempos da França Equinocial. Da época, restou-lhe apenas o nome, São Luís, homenagem ao rei-menino francês.
As cabanas citadas por D. Abbeville viraram 3.500 edificações de valor histórico no centro da cidade, na região que os índios chamavam de Upaon-Uçu. No lugar do Forte Sain Louis, erguido em 1613 pelos homens do comandante Daniel de La Touche, o senhor de La Ravardiére, está o Palácio dos Leões.
É um prédio em estilo neoclássico que abriga a sede do governo estadual, nas mãos pela segunda vez consecutiva da governadora Roseana Sarney.
Roseana mandou esvaziar o Palácio para reformá-lo integralmente, mas a obra está parada há um ano por falta de dinheiro. As placas, esquecidas entre os andaimes, mostram que o prédio passou por sete grandes reformas nos últimos 100 anos, sendo que quatro delas foram feitas a partir de 1973.
Tampouco há restos da primeira igreja. Feita de taipa de pilão e coberta com folhas de babuçu, a capela foi construída pelos índios junto com os três frades capuchinhos que acompanhavam a missão francesa.
Os religiosos abençoavam a rebeldia da rainha Maria de Médicis, a soberana que autorizou a construção da colônia francesa no Brasil. Desobedeceu aos mandamentos do Tratado de Tordesilhaso compêndio de leis que dividia o Novo Mundo entre portugueses e espanhóis.
Os franceses precisavam ter um braço na América. Primeiro tentaram ocupar o Rio de Janeiro em 1555. Montaram a França Equinocial, mas logo fracassaram. Ao tentar repetir o modelo no norte do Brasil, escolheram se aliar aos índios, ao invés de escravizá-los como faziam os portugueses. A idéia mereceu um artigo na Constituição da França Equinocial, lida durante a cerimônia de fundação de São Luís, num arremedo de praça, hoje avenida Pedro II. Seriam condenados à morte os colonos que maltratassem ou roubassem os nativos.
.Os franceses sabiam que os índios eram essenciais ao seu projeto de colonização. Seriam os aliados contra os portugueses., explica o historiador Carlos Lima, um dos mais respeitados do Maranhão.
Foi curta a temporada equatorial dos súditos de Maria de Médicis. Em 1614, os portugueses expulsaram os inimigos e ocuparam a região. A Saint Louis francesa ganhou então a fisionomia lusitana que até hoje não perdeu.
Não é para menos. A. ilha.(é assim que os maranhenses falam) foi a primeira cidade planejada do Brasil. Quando os portugueses resolveram povoar a cidade, levaram colonos açorianos e encomendaram uma planta urbanística ao engenheiro-mor Francisco Frias de Mesquita.
Ele fez um plano renascentista, de ruas pequenas, com malha urbana ortogonal, obedecendo aos pontos cardeais.. São Luís é a avó de Brasília., brinca Luiz Phelippe de Carvalho Andrés, coordenador do patrimônio cultural do Maranhão.
As ruas
.Depara-se com charcos e areias movediças, nas quais a gente afunda até a cintura e mesmo até a cabeça e das quais, uma vez atolado, não há força nenhuma capaz de safar o sujeito. E acontece ainda que duas vezes por dia, cobre a maré esses pântanos e areias movediças e passa por cima das raízes erguidas além da superfície da terra, em muitos lugares à guisa de altas muralhas..
Aquilo que era charco virou rua calçada com pedras de granito, carregadas por escravos e presos, os calcetas. A Ilha de São Luís, cercada de mangues e marés, foi aterrada várias vezes nos últimos três séculos, o que facilitou o arruamento.
É uma história para cada rua. O passado aparece congelado nas placas de ladrilhos penduradas nas esquinas. Há o beco da bosta, onde os escravos passavam carregando nas costas tonéis cheios de excrementos recolhidos dos urinóis de porcelana de seus brancos patrões. Jogavam o conteúdo no mar.
E a Praça da Alegria, ex-Praça da Forca Velha, onde rebeldes perdiam a vida enforcados. O mais ilustre deles foi Manuel Beckmann, nascido em Lisboa, filho de pai alemão. Liderou o movimento que cem anos antes da Inconfidência Mineira condenava o excesso de impostos e pregava a liberdade comercial.
Existe o Beco Catarina Mina. Morava ali a bela negra Catarina Rosa de Jesus Ferreira. Ciente da beleza que Deus lhe deu, teve amantes, economizou fortuna e comprou sua liberdade. Alforriou a mãe, adquiriu imóveis e, esquecida do passado, comprou suas próprias escravas. A elas dava as melhores roupas e jóias, mas não permitia que usassem sapatos. Desfilavam descalças ao lado da ama Catarina sobre os paralelepípedos que hoje levam seu nome.
Não faltam também ruas que são largos. É o caso do Largo do Ribeirão, onde está a fonte do mesmo nome. Antes, era ali que os escravos pegavam água.
.Usamos essa água para lavar carros. O movimento é fraco, ninguém quer mais saber de carro limpo., reclama Francisco Ribamar Moreira, 47 anos, lavador de carro há duas décadas na Fonte do Ribeirão.
Além das ruelas que carregam a História no nome, há outras que fazem de São Luís um labirinto de poesia: rua do sol, da inveja, dos afogados, da paz, do giz, do alecrim, das flores, da manga, dos prazeres, do deserto...
As avenidas são poucas, mas também têm mérito histórico: seus nomes revelam a mistura dos povos que fizeram a cidade. Vale para a avenida dos portugueses, a dos africanos e a dos holandeses.
Os batavos ocuparam São Luís em 1641, ficaram três anos e deixaram precioso retrato da cidade: uma vista geral pintada pelo pincel do genial artista Frans Post.
Já nas tintas de Post, se percebe uma São Luís crescida sob a ordem lusitana. Em 1643, havia 600 casas, a maioria cobertas de palha. Exceção para a casa do governador, o prédio da Câmara com o andar térreo da cadeia, três conventos e o Colégio dos Jesuítas. Todos feitos de alvenaria.
.O feitio das casas de São Luís também conta sobre a vida daqui., resume Zelinda Machado, estudiosa dos costumes maranhenses.
n Os trechos entre aspas são do livro. História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e terras circunvizinhas., de Claude D. Abbeville.
As casas
.São feitas de paus grossos ou estacas e cobertas de cima a baixo com folhas da palmeira Pindó, encontrável em grande abundância nas matas. Essas folhas, bem dispostas, resistem maravilhosamente à chuva. As casas têm de vinte e seis a trinta pés de largura e duzentos a quinhentos pés de comprimento, segundo o número de pessoas que nela habitam. São construídas em forma de claustro, ou melhor, em quadrado como a Place Royale, de Paris, de modo que há sempre entre elas uma praça grande e bonita..
O claustro indígena virou sobrado português. Na esquina do beco do Quebra Costa com a praça João Lisboa, um prédio de três andares com a placa. Hotel Ribamar.(Ribamar é o mais comum dos nomes no Maranhão) revela que o concreto conta história.
O hotel Ribamar era casa dos Belford, família rica metida em pecuária e lavoura no século XVIII, época de ouro para São Luís. Em 1756, Lourenço Belford mandou erguer o sobrado, com fachada coberta de azulejos verdes e janelas de madeira.
Logo, recebeu o título de solarchamavam-se assim os sobrados nobres, com mais de dois andares.. Era uma aventura de engenharia construir prédios de até três andares em pleno século XVIII., explica o historiador Mário Meirelles, professor da Universidade Federal do Maranhão.
No século XIX, a morada dos Belford passou para o Barão de Coroatá, que logo o vendeu ao jornalista Vitor Lobato. Virou, então, redação do jornal Maranhense. A Pacotilha..
Agora é hotel de janelas trêmulas, muito sujo, com diária de R$ 6,00. Quase um cortiço com moradores fixos como Eliane, que divide com o marido um pequeno quarto. O prédio pertencen ao alemão Hans Peter.. Ele morre de ciúmes do hotelio. É histórico., diz Eliane Batosta, sem saber que oRibamar. é tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico Nacional, o IPHAN.
Longe do Pacotilha, outro sobrado é rico em passado. Na rua do Giz, número 445, bairro do Desterro, as ruínas são do tempo em que a região era animada pelos cabarés.
.Aqui funcionava o Cabaré da dona Maroca. Tinha orquestra, mulheres de saia balão com sapatos Luis XV e homens de terno. Era dos melhores cabarés de São Luís., lembra Manoel Mota, ex-cozinheiro da Maroca. Chegou ali em 1951 e logo ganhou o emprego.. E muitas namoradas. As moças eram mais bonitas, vinham de todo o Brasil., conta Manoel, que hoje divide com os gatos as ruínas do Maroca.
A festa não é mais no Desterro. Os bordéis viraram edifícios esquecidos. O único que resiste é o de Cândido.. Mas é para homens., diz Cândido na porta de sua casa, uma. morada-inteira.. são as residências térreas com uma porta e duas janelas de cada lado. Há a meia-moradaduas janelas e uma porta.
.Comecei de baixo, morando numa porta-e-janela., conta Cândido, dentro de seu enfeitado cabaré, cheio de clientes. A porta-e-janela é a mais humilde das construções. Essas diferenças continuam por dentro das casas, nas mobílias e na disposição dos cômodos.
A mobília
.Os móveis caseiros são as redes de algodão a que chamam ini. Cada um tem sua rede. Os índios têm cabaças que chamam euá e de que se servem para ir buscar água; e têm outras, cortadas pelo meio pintadas de vermelho e preto, que denominam cui, cuias, e que lhes servem de prato e de copos para beber; usam as menores à guisa de colheres. Têm cestos a que chamam uru. São feitos de folhas de palmeiras ou de pequenos juncos lindamente tecidos. Neles guardam seus pentes, suas facas, suas tesouras e suas miçangas. Esse é o lar dos maranhenses e nisso consiste tudo que ambicionam..
Dos móveis indígenas, restam as redes. Persistem até nas moradas elegantes, como a de dona Terezinha Jansen, bisneta da mitológica Ana Jansen, política do século XIX que morreu com a fama de ser a maior e mais cruel escravocrata maranhense.
Por dentro, a casa de dona Terezinha é o retrato de como a elite vivia no Maranhão de antigamente. Na entrada, está a sala de visitas.. Até o século XIX, os homens recebiam as visitas de ceroulas, as donas de casa passavam os dias de roupa-íntima, camisolão., conta o historiador Carlos Lima.
Ao lado da sala, fica a alcovaaté hoje chamam-se assim os quartos de casal. Têm penteadeira francesa e armário.. Antigamente havia também o trono no quarto. Era uma cadeira com tampa para cobrir o penico. De manhã, os criados tiravam o urinol. Não havia banheiro dentro de casa. Tomava-se banho nas casas de banho do lado de fora., explica o historiador.
As paredes da alcova de dona Terezinha têm até hoje o pendurador de rede, posto ali por seu avô ainda no século passado. Curioso é que o quarto dali, como o de toda casa rica de São Luís, dá para a sala íntima, mas não tem portas. Não havia portas dentro de casa.. Só biombos., conta a religiosa Terezinha.
Na sua casa tem varanda, mas não a que se conhece no sul: é interna e dá para o quintal. Perto, no corredor interno, ficava o bilheiro. Móvel para potes e bilhas, onde se guardava água em moringas.
Nas pobres porta-e-janela o mobiliário era diferente. Ao invés de cadeiras, bancos. Nas alcovas, nada de biombos. No lugar das caras cristaleiras, se colocava um rústico petisqueiro, armário envidraçado na frente e telado dos lados. Guardava louça e guloseimas. E, no Maranhão, guloseimas, merecem um capítulo a parte.
A comida
.É porque a doçura do ar tempera no Brasil as águas dos mares e dos rios, que aí pululam os peixes e todos diferentes dos que temos por aqui. A única espécie igual às nossas é a dos sargos. Há também muitas ostras, a que chamam reri, semelhantes às nossas, porém do dobro do tamanho e muito mais deliciosas... Há sapos enormes a que chamam cururu. Sua carne é incrivelmente branca e de bom paladar. Vi muitos fidalgos franceses comerem-na com grande apetite. Colhe-se também o algodão e a pimenta. O alimento habitual não é o pão, porém a farinha feita de raízes de mandioca, ralada num crivo de madeira, repleto de dentes de pedra ou de ossos de peixe muito aguçados..
O mar continua generoso com os maranhenses. E, graças aos capuchinhos modernos, o pobre agora tem pão. Toda quinta-feira, acontece a cerimônia do Pão de São Francisco na Igreja do Carmo, ocupada pela ordem dos capuchinhosestes italianos e não franceses como os do início de São Luís.
.Minha branca, me ajude., suplica, na escadaria da igreja, a negra Conceição Diniz. Mostra, sem perceber, que os maranhenses ainda não esqueceram as diferenças de cor.. Preto e branco são iguais. Só que branco tem dinheiro e preto não., resume Pedro Silva, outro pedinte do Carmo que jamais falta aos rituais do Pão de São Francisco.
.Os capuchinhos são franciscanos. Sempre estiveram ligados aos pobres, aos que têm fome., explica o frei Liberato Giuduci, o capuchinho que organiza o Pão de São Francisco, além de dois almoços populares por semana. É italiano e está há quatro décadas no Maranhão. Vive suando, mas jamais tira a batina marrom, a barba comprida e o capuz.. São símbolos de despreendimento com a vaidade..
Comida dos santos, mas também dos pecadores. Em frente à Igreja do Carmo, uma banquinha vive cheia de gente ansiosa para tomar Guaraná em pó misturado com ovo de codorna, castanha de caju e amendoim. Junto comem açaí (no Maranhão fala-se Jussara) com camarão seco e misturado com farinha d. água.
.Nossa comida é para levantar defunto., diz Antonio Sampaio, vendedor do mercado das Tulhas, na Praia Grande, antigo centro comercial de São Luís. Se vendia de tiquira (cachaça) a escravos.. Hoje, só não temos mais escravos., brinca ao lado dos cofos de palha, depósitos dos vários tipos de camarão.
A cidade que no século XVII assistiu na Capela dos Navegantes o libertário padre Antonio Vieira, famoso por defender os índios, pregar o Sermão dos Peixes, não perdeu a fé. Há religiosidade nos mínimos detalhes. Em cada esquina, há um poste conhecido como. frade de pedra..
E, até nas festas populares, como o Boi e o Divino Espírito Santo, Jesus Cristo jamais é esquecido.. Em São Luís, os pecados são santos., brinca Maria Ferreira, 38 anos, freqüentadora assídua do terreiro Casa da Mina e da Igreja da Sé.





CURIOSIDADES SOBRE A HISTÓRIA DA CIDADE DE SÃO LÚIS DO MARANHÃO
A Balança Geral do Comércio de Portugal indica que chegaram a São Luís, em 1778, cerca de 107.402 peças de azulejos. Hoje, cada peça vale mil dólares, pelo menos. O valor não é apenas comercial, mas sobretudo histórico. Mas muitos dos ladrilhos que restam, nas casas da capital maranhense, estão agora ameaçados pela falta de conservação. Até 1986, restavam 177 fachadas azulejadas na cidade. Eram 270 em 1959 e 221 em 1972.
A cidade
População: 738.327
Construções históricas:
Teatro Arthur Azevedo, Igreja da Sé, Palácio dos Leões, Fonte do Ribeirão, Igreja do Carmo, Capela dos Navegantes, Mercado da Tulhas
Museus:
Centro de Cultura Popular, Museu Histórico, Museu de Arte Sacra, Centro de Artes Visuais

Maranhês
.Açúcar e mulher, pega cada um como quer.(Gosto não se discute).
.Barbado? Só camarão.(Desejar somente companhia feminina).
.A galinha que canta é a que é a dona dos ovos.(Quem proclama os seus direitos é que consegue assegurá-los).
.Ovo não briga com pedra.
(O fraco sempre sai perdendo).
.João está vendendo farinha.(desarrumado, com a blusa
para fora da calça, como os vendores de farinha)
Cronologia
1612 :O nobre francês La Ravardière organiza uma expedição de três navios com 500 homens. Eles fundam o forte de Saint-Louis, em homenagem ao rei-menino Luís XIII.
1614: governador geral do Brasil despacha de Pernambuco uma expedição militar e consegue expulsar os franceses do Maranhão no ano seguinte.
1641: Invasão holandesa, encerrada três anos depois.
1684: estoura a Revolta do Bequimão, contra o monopólio do estado estabelecido pela Companhia do Comércio.
1755: O Marquês de Pombal cria a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, que traz desenvolvimento e progresso.
1889: O Maranhão adere à República e São Luís passa a ser a capital de um estado federado. São Luís começa a entrar em decadência.
.Em nome de Sua Majestade, nós, Daniel de la Touche, Cavaleiro e Senhor de la Ravardiere, Francisco de Rasilly, também cavaleiro (...) tendo empreendido, por graça de Deus, o estabelecimento de uma colônia francesa do Maranhão ... Ordenamos, para a conservação dos índios entregues à nossa proteção, (...)que ninguém os espanque, injurie, ultraje, ou mate sob penas de sofrer castigo idêntico à ofensa;Ordenamos que não se cometa adultério, por amor ou violência, com as mulheres dos índios, sob pena de morte, pois seria isso não só a ruína da alma do criminoso, mas também a da colônia; igualmente ordenamos, sob idêntica pena, que não se violentem as mulheres solteiras;
Proibimos ainda quaisquer roubos contra os índios, seja de suas roças, seja de outras coisas que lhes pertençam, sob as penas supra mencionadas.. .
(Trecho da Constituição da França Equinocial de 1612 lida durante a fundação de São Luís)

Crendices
.Não se deve varrer a casa às sextas-feiras, porque Nossa Senhora varria a sua quando recebeu a notícia de que Jesus agonizava..
.Quando se deseja que o tempo melhore, joga-se um copo de café no terreiro, para Santa Clara, dizendo: Santa Clara, clareai!. .
.Queimar chifre de boi espanta cobra..
.Derramar açúcar na mesa ou no chão traz felicidade.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O escravocrata/ Artur Azevedo
PRÓDOMO
O Escravocrata, escrito há dois anos e submetido à aprovação do Conservatório Dramático Brasileiro sob o título A família Salazar, não mereceu o indispensável placet. Embora não trouxesse o manuscrito nota alguma com declaração dos motivos que ponderaram no ânimo dos ilustres censores, para induzi-los à condenação do nosso trabalho, somos levados a crer que essa mudez significa - ofensa à moral, visto como só nesse terreno legisla e prepondera a opinião literária daquela instituição.
Resolvemos então publicá-lo, a fim de que o público julgue e pronuncie.
Sabemos de antemão quais os dois pontos em que a crítica poderá atacá-lo: imoralidade e inverossimilhança. Conhecendo isso, sangramo-nos em saúde.
O fato capital da peça, pião em volta do qual gira toda a ação dramática, são os antigos amores de um mulato escravo, cria de estimação de uma família burguesa, com a sua senhora, mulher nevrótica e de imaginação desregrada; desta falta resulta um filho, que, até vinte e tantos anos de idade, é considerado como se legítimo fosse, tais os prodígios de dissimulação postos em prática pela mãe e pelo pai escravo, a fim de guardarem o terrível segredo.
Bruscamente, por uma série de circunstâncias imprevistas, desvenda-se a verdade; precipita-se então o drama violento e rápido, cujo desfecho natural é a consequência rigorosa dos caracteres em jogo e da marcha da ação.
Onde é que se acha o imoral ou o inverossímil?
As relações amorosas entre senhores e escravos foram e são, desgraçadamente, fatos comuns no nosso odioso regime sociais; só se surpreenderá deles quem tiver olhos para não ver e ouvidos para não ouvir.
Se a cada leitor em particular perguntássemos se lhe ocorre à memória um caso idêntico ou análogo ao referido no Escravocrata, certo estamos de que ele responderia afirmativamente.
A questão de moralidade teatral e literária diz respeito tão somente à forma, à linguagem, à fatura, ao estilo. Se os moralistas penetrassem na substância, na medula das obras literárias, de qualquer época ou país que sejam, de lá voltariam profundamente escandalizados, com as rosas do pudor nas faces incendidas, e decididos a lançar no index todos os autores dramáticos passados, presentes e futuros.
Repetir estas coisas é banalidade; há, porém, pessoas muito ilustradas, que só não sabem aquilo que deveriam saber.
Seriam muito boas que todas as mulheres casadas fossem fiéis aos seus maridos, honestas, ajuizadas, linfáticas, e que os adultérios infamantes não passassem de fantasias perversas de dramaturgos atrabiliários; mas infelizmente assim não sucede, e o bípede implume comete todos os dias monstruosidades que não podem deixar de ser processadas neste supremo tribunal de justiça - o teatro.
Não queremos mal ao Conservatório; reconhecemos o seu direito, e curvamos a cabeça. Tanto mais que nos achamos plenamente convencidos de que, à força de empenhos e de argumentos, alcançaríamos a felicidade de ver o nosso drama à luz da ribalta. Mas esses trâmites seriam tão demorados, e a idéia abolicionista caminha com desassombro tal, que talvez no dia da primeira representação do Escravocrata já não houvesse escravos no Brasil. A nossa peça deixaria de ser um trabalho audacioso de propaganda, para ser uma medíocre especulação literária. Não nos ficaria a glória, que ambicionamos, de haver concorrido com o pequenino impulso das nossas penas para o desmoronamento da fortaleza negra da escravidão.
Janeiro de 1884
Artur Azevedo e Urbano Duarte

PERSONAGENS
SALAZAR, negociante de escravos
GUSTAVO, seu filho
LOURENÇO, seu escravo
SERAFIM, ex-sócio do Clube Abolicionista Pai Tomás
DOUTOR EUGÊNIO, médico
SEBASTIÃO, sócio de Salazar
UM COMPRADOR DE ESCRAVOS.
M CREDOR.
UM CAIXEIRO.
JOSEFA, irmã de Salazar
GABRIELA, mulher de Salazar
CAROLINA, sua filha
Três mulatas baianas, escravos.
A cena passa-se no Rio de Janeiro.

ATO PRIMEIRO
Escritório em uma casa de alugar escravos. À esquerda, secretária; à direita, sofá sobre o qual está um número do Jornal do Comércio; cadeiras. Porta ao fundo, à esquerda. Encostadas à parede do fundo, à esquerda, uma trouxa e uma esteira suja enroladas.
CENA I
SALAZAR, depois UM CAIXEIRO. SALAZAR escreve por algum tempo, sentado à secretária; toca o tímpano; entra o caixeiro.
O CAIXEIRO (Da esquerda alta.) - Pronto!
SALAZAR - Levou os negros à Polícia?
O CAIXEIRO - Sim, senhor; já estão de volta.
SALAZAR - Bem. Seguem para cima, amanhã, no expresso das quatro horas e meia. Às três em ponto, o senhor deverá estar de pé, a fim de poder achar-se na Estação às quatro. São quarenta e quatro cabeças, incluindo o Lourenço. Tome lá. Vá à minha casa e entregue este bilhete a minha mulher. Ela deve entregar-lhe o Lourenço, e o senhor o reunirá ao lote de escravos que vai embarcar. (Levantando-se, passa à direita.) Resolvi desfazer-me daquele tratante, haja o que houver, e nada me demoverá deste propósito. Pode ir. (O Caixeiro sai pelo fundo.)

CENA II
SALAZAR, SEBASTIÃO
SEBASTIÃO (Da esquerda alta.) - Possuímos a melhor fazenda que existe atualmente no mercado do Rio de Janeiro; não achas, Salazar?
SALAZAR (Sentando-se no sofá.) - Gente superfina. Os nossos comitentes do Norte capricharam desta vez. Só a renque da crioulada vale vinte e cinco, alto e mau, de olhos fechados. É para fazer água na boca! Há pouco, quando o lote passava na rua, o Arruda da Prainha lançou-lhe um olhar de sete palmos e meio. É só para os moer!
SEBASTIÃO - O Arruda nunca recebeu nem receberá uma partida de negros como esta, que veio pelo Ceará.
SALAZAR - Não há um só alcaide. Gente limpa, escorreita, moça, reforçada e dócil, que faz gosto. Só do Ceará nos vieram dez crioulos retintos, que valem o seu peso em ouro. Se tu não os venderes a vinte e cinco ou trinta dias, não te chamarás Sebastião de Miranda, o famoso negreiro fluminense, sócio e amigo íntimo de Pedro Salazar, negociante de grosso trato e fazendeiro sem hipotecas.
SEBASTIÃO - Sim, espero fazer bom negócio. Por fora a gente é de primeira qualidade, não há dúvida, mas por dentro! Quem é que pode lá conhecer mazelas de negro? Negro é bicho do diabo, Salazar! As vezes estão cheios de moléstias ocultas, que só confessam quando lhes faz conta.
SALAZAR - Nem tanto! Pois hão de iludir os médicos?
SEBASTIÃO - Ora os médicos, os médicos! Por cinco mil réis de mais ou de menos, fazem a inspeção conforme queremos.
SALAZAR - Negro não tem licença para estar doente. Enquanto respira, há de poder com a enxada, quer queira, quer não.
SEBASTIÃO - De acordo, mas hoje anda aí em moda tratá-los bem... com humanidade... não sei que mais...
SALAZAR - Tolices! Humanidade para negro! Para moléstia de negro há um remédio supremo, infalível e único: o bacalhau. Deem-me um negro moribundo e um bacalhau, que eu lhes mostrarei se o não ponho lépido e lampeiro com meia dúzia de lambadas!
SEBASTIÃO - Perfeitamente de acordo. Mas, quer queiramos, quer não, temos de contemporizar com essas idéias... Os tais senhores abolicionistas...
SALAZAR (Erguendo-se e descendo ao proscênio.) - Psiu! Não me fales nessa gente, pelo amor de Deus! Só o nome dessa cáfila de bandidos que ultimamente me têm feito perder mais de oitenta contos, irrita-me de um modo incrível!
SEBASTIÃO - Também a mim. Regra geral e sem exceção: sujeito que nada tem a perder e não sabe onde cair morto declara-se abolicionista.
SALAZAR - Eu vou mais adiante: sujeito que tentou sem resultado todos os empregos, profissões e indústrias, e em nenhum conseguiu reputação ou fortuna, por ser incapaz, indolente, prevaricador ou estúpido, arvora-se por último em abolicionista, para ver se deste modo segura os pirões.
SEBASTIÃO- E com que desprezo nos chamam de escravocratas! Dizem que negociamos em carne humana, quando são eles que traficam com a boa-fé dos papalvos, e lhes vão limpando as algibeiras, por meio de discursos e conferências!
SALAZAR - Exploram o elemento servil pelo avesso, sem os percalços do ofício. Ao menos nós damos aos negros casa, cama, comida, roupa, botica e bacalhau.
SEBASTIÃO - Principalmente bacalhau. Porque o negro, sem ele, é uma utopia! (Indo examinar uns papéis à secretária.) Recebeste hoje carta do Evaristo?
SALAZAR (No proscênio.) - Sim; a safra promete ser excelente. Quatro mil arrobas de primeira. Tudo na melhor ordem.
SEBASTIÃO - Com um administrador como o Evaristo, vale a pena ser fazendeiro. É o nosso factótum!
SALAZAR - Honesto, ativo, fiel; longa prática do eito e chicote sempre na mão!
SEBASTIÃO - Basta que visitemos uma ou duas vezes por ano a nossa fazenda do Pouso Alto, para que as coisas nos corram sem novidade. (Salazar desce ao proscênio.) Mas então levo ou não levo o Lourenço?
SALAZAR - Sem dúvida; desta vez ele não escapa. Irra! que já ando aborrecidíssimo com aquela peste! Preciso descartar-me dele, oponha-se quem se opuser! Nada me enraivece mais que ver um negro emproado! Já por diversas vezes tenho querido tirar-lhe a proa com uma surra mestra; mas minha mulher, minha filha e meu filho metem-se de permeio e fazem-me uma choradeira de todos os diabos!
SEBASTIÃO - Pois ainda és desse tempo? Atendes a súplica de família, quando se trata de surrar negro?
SALAZAR - Pois se eles sempre se colocam em sua frente para defendê-lo?! Ainda anteontem, minha mulher quase apanhou uma lambada que era destinada ao Lourenço! Protege-o escandalosamente, alegando ser ele cria da família, e não sei mais o quê... E há vinte e cinco anos, desde o meu casamento, que aturo as insolências daquele patife! Leva a ousadia ao ponto de não abaixar a vista quando fala comigo! Oh! mas desta vez, vendo-o definitivamente!

CENA III
OS MESMOS, SERAFIM
SERAFIM (Da porta do fundo.) - O Senhor Pedro Salazar?
SALAZAR - Que deseja, senhor? (Serafim entrega-lhe uma carta.)
SEBASTIÃO (À parte, examinando Serafim.) - Que tipo! Polícia secreta, flor da gente, ou poeta! (Vai sentar-se no sofá e lê o Jornal do Commércio.)
SALAZAR (Depois de ler a carta.) - Serafim Pechincha é o senhor?
SERAFIM - Em carne e osso.
SALAZAR - O compadre Ribeiro escreve-me: (Lê.) "O portador é o Senhor Serafim Pechincha, moço, filho de uma boa família provinciana, o qual se acha desempregado e reduzido à expressão mais simples. Parece ser ativo; é inteligente. Vê se o podes ocupar em algum serviço."
SERAFIM - Redação simples, mas eloqüente!
SALAZAR - A recomendação do compadre Ribeiro é muito valiosa; porém, creio, não estranhará que eu procure saber das suas habilitações e precedentes. É natural... não acha?
SERAFIM - Naturalíssimo. Julgo do meu dever falar-lhe com toda a franqueza, para que me fique conhecendo, e depois não diga que sim, mas que também... Eu cá sou despachado.
SEBASTIÃO (À parte.) - A linguagem não é de polícia secreta!
SALAZAR - Diga.
SERAFIM - Começo por declarar que sou um tipo arrebentado.
SALAZAR - Arrebentado?
SERAFIM - Arrebentadíssimo. Consta-me, por informações de terceiro, que pertenço a uma boa família provinciana, ao que, aliás, não ligo muito crédito.
SALAZAR - Como assim?
SEBASTIÃO (À parte.) - Flor da gente com certeza!
SERAFIM (À Salazar.) É verdade; não tenho a mais vaga reminiscência de pai nem mãe. Cuido mesmo que já nasci órfão. Oh! triste sina! (Procura o lenço e não o acha; limpa uma lágrima à aba do paletó.) Quando, há tempos, o príncipe Natureza dissertou sobre o choque de pai e mãe, senti que o coração se me dilacerava de saudades.
SEBASTIÃO (À parte.) - Agora parece poeta.
SALAZAR - Mas não tem parente algum?
SERAFIM - Lá chegarei... gosto de ir por partes... Aos dez anos, tenho lembrança de que um tio nos meteu, a mim e a dois irmãos, em uma espécie de colégio na Rua de São Diogo.
SALAZAR - Mas até os dez anos? De nada se recorda?
SERAFIM - É célebre!
SERAFIM - Celebérrimo! Mas todo eu sou celebérrimo! Como dizia, meteram-me no colégio, a mim, ao Chico e ao Cazuza. Aí estivemos três anos, durante os quais passamos fome de cachorro. O diretor era mais sovina que grosseiro, e mais estúpido que sovina e grosseiro. Um belo dia, nós, não podendo suportá-lo, tratamos uma conspiração, aplicamos-lhe uma coça de marmeleiro, e fugimos do colégio.
SALAZAR (À parte.) - Bom precedente!
SERAFIM - Daí em diante, a minha vida tem sido um romance... sem palavras. Quem lhe dera, senhor Salazar, possuir de contos de réis os dias que não tenho comido! (Gesto de Salazar.) Não se admire disto! não me peja dizer a verdade nua e crua... Eu sou do tipo arrebentado. Há dias em que acredito mais no balão Júlio César do que numa nota de quinhentos réis! Tenho tentado todos os empregos: fui manipulador de cigarros durante dois meses, exerci o nobre mister de testa-de-ferro, fiz-me cambista, redator do Incendiário, e até representei no teatro...
SEBASTIÃO (Vivamente.) - Ah! foi cômico?
SERAFIM - Não, senhor: fiz uma das pernas do elefante do Ali-babá, na Fênix.
SALAZAR - Mas que fim levaram seus irmãos?
SERAFIM - Ah! esses foram mais felizes que eu; arranjaram-se perfeitamente.
SALAZAR - Estão empregados?
SERAFIM - Ou coisa que o valha: o Chico meteu-se no Hospício de Pedro II.
SALAZAR - Como enfermeiro?
SERAFIM - Como doido.
SALAZAR - Enlouqueceu?
SERAFIM - Qual! teve mais juízo que eu; cama, mesa, médico, uma ducha de vez em quando para refrescar as idéias, e uma camisola para o frio. Afinal, é um meio de vida como outro qualquer!
SALAZAR (Surpreso.) E o?... Como se chama?
SERAFIM O Cazuza? (Assobia.) Um finório! Tantos empenhos meteu, que conseguiu um lugar no Asilo da Mendicidade.
SALAZAR Ah! ... como inspetor de turma?
SERAFIM Qual inspetor! qual turma! Como mendigo!
SEBASTIÃO (À parte.) - É um tipo único!
SERAFIM - Vive hoje muito tranqüilo e satisfeito a desfiar estopa. Estão ambos arranjados: eu é que ainda não criei juízo, e vivo ao deus-dará!
SALAZAR - Por que não se torna abolicionista?
SERAFIM (Recuando indignado e tomando uma atitute teatral.) - Senhor João Salazar...
SALAZAR - Pedro... Pedro, se me faz favor...
SERAFIM - Senhor Pedro Salazar! creio que todas as misérias que acabei de lhe relatar não o autorizam a cuspir-me em face tal injúria! Sou um tipo arrebentado, mas, graças a Deus, ainda não desci tão baixo!
SALAZAR Então odeia?...
SERAFIM - Os abolicionistas? Não os odeio: desprezo-os!
SEBASTIÃO (Levantando-se entusiasmado e apertando-lhe a mão.) - Toque!
SALAZAR - Toque (Serafim tem cada uma das mãos apertadas por cada um dos sócios.) De hoje em diante pode considerar-se empregado de Salazar & Miranda!
SEBASTIÃO - Entende alguma coisa de negócio?
SERAFIM - Pouco, mas - modéstia à parte - sou muito inteligente. Com qualquer coisa, me ponho em dia... Se me dessem uma explicação sumária...
SEBASTIÃO - Pois não... agora mesmo... (Tomando-lhe o braço.) Venha comigo...
SERAFIM (Saindo, à parte.) - Que dirão os meus colegas do Clube Abolicionista Pai Tomás?! (Sebastião sai com Serafim pela esquerda alta.)

CENA IV
SALAZAR, GUSTAVO
SALAZAR (Só.) - Desta gente é que eu preciso!
GUSTAVO (Entra do fundo amarrotando um jornal que tem na mão.) - Sacripantes! Safardanas! Leia isto, meu pai, veja se o infame mofineiro que publicou este aranzel contra vosmecê e a nossa família não merece que se lhe corte a cara a vergalho! Leia isto!
SALAZAR - Não, não leio! Apesar de não ligar a mínima importância ao grasnar desses miseráveis gazetilheiros, que só andam à cata de quem os compre, as suas verrinas deixam-me numa irritação nervosa, que me tira o apetite. Ah! se eu pilhasse os tais abolicionistas todos no eito!
GUSTAVO - Quem sabe? Pode ser que um dia...

CENA V
OS MESMOS, LOURENÇO, o CAIXEIRO
CAIXEIRO - Cá está o mulato.
SALAZAR (A Lourenço.) - Prepara a tua trouxa; tens que seguir amanhã para cima.
LOURENÇO (Fita-o e depois diz pausadamente.) - Mais nada?
SALAZAR (Furioso.) - Mais nada! Desavergonhado! Patife! Cão! Puxa já daqui!
LOURENÇO - Não lhe quis faltar ao respeito... Este é o meu modo de falar.
SALAZAR - Modo de falar! Pois negro tem modo de falar? Quando estiveres em minha presença, abaixa a vista, ladrão! (Lourenço não lhe obedece.) Abaixa a vista, cachorro! Corto-te a chicote se o não fizeres! (Lourenço conserva-se imperturbável. Salazar avança com um chicote, mas Gustavo o contém.)
GUSTAVO - Peço por ele, meu pai! Lourenço é um escravo dócil e obediente. (A Lourenço, com brandura.) Abaixa a vista, Lourenço. (Lourenço obedece.) Ajoelha-te! (Idem.) Pede humildemente perdão a meu pai de lhe não haveres obedecido incontinenti.
LOURENÇO - Peço humildemente perdão a meu senhor...
SALAZAR - Puxa daqui, burro! (Lourenço sai.)

CENA VI
SALAZAR, GUSTAVO
GUSTAVO - Vai mandá-lo para fora?
SALAZAR - Definitivamente. Escusam de pedir-me. Cada vez tem menos vergonha! é uma peste!
GUSTAVO - Nem tanto. Apesar da ojeriza e do desprezo que tenho por tudo quanto me cheira a negro cativo, conservo alguma estima pelo Lourenço.
SALAZAR - As tais amizades do senhor moço! Viu-te nascer, trouxe-te ao colo, etc., etc... Olha, podes estar certo de que, na primeira ocasião propícia, ele te envenenará numa xícara de café ou num copo d’água! Ainda és muito moço: não sabes de quanto um negro é capaz!
GUSTAVO - Sei bastante; para esta raça amaldiçoada só há três princípios: o eito, o bacalhau e a força! Mas não posso deixar de abrir uma exceção para o Lourenço...

CENA VII
OS MESMOS, um COMPRADOR
COMPRADOR - O senhor Pedro Salazar?
SALAZAR - Um seu criado; que deseja?
COMPRADOR - Sei que recebeu, pelo vapor Ceará, uma bela partida de raparigas: desejo comprar-lhe algumas. (Gustavo, durante o diálogo, entretêm-se a cortar com uma tesoura um artigo do Jornal, que trouxe na mão, e guarda o retalho.)
SALAZAR - Tenho o que lhe serve: fazenda nova, bonita e limpa.
COMPRADOR - Pode-se ver?
SALAZAR - Imediatamente. (Toca o tímpano, entra o caixeiro.) Traga as mulatas da Bahia. (Sai o caixeiro.) Crioulas não lhe servem? (Gesto negativo do comprador.) Sim, para o seu negócio... (Abaixando a voz.) É coisa papa-fina e barata.

CENA VIII
SALAZAR, GUSTAVO o COMPRADOR, SEBASTIÃO, SERAFIM, o CAIXEIRO, três mulatas.
SERAFIM (Empurrando as mulatas.) - Vamos! Depressa! Negro não tem vergonha! Olha que ar de santa tem esta descarada! Tiro-te a santidade com couro cru! Formem as três para este lado!
SALAZAR - Assim! (À parte.) Tenho homem.
SERAFIM (Ao Comprador.) Foi o senhor que pediu as mulatas? Ei-las! Veja que três mucamas esplêndidas? (à parte.) Olá! o Raposo cáften!
GUSTAVO (À parte, indicando Salazar.) - Ainda não achei situação azada para lhe dar o bote... Preciso muito... muito...
SERAFIM (Indicando as mulatas.) - Esta daqui cozinha, lava e engoma perfeitamente. Aquela engoma, lava e cozinha admiravelmente. Aquela outra cozinha, engoma e lava como ninguém ainda cozinhou, lavou e engomou neste mundo.
SEBASTIÃO - Possuem ainda uns dengues baianos, mas que se tiram com o chicote!
SERAFIM - Vai bem servido. (A uma das mulatas.) Faze aí um dengue, para aqui o senhor apreciar. Vamos lá! Dize assim: Ó gentes, ioiô! Mecê tem partes! (As mulatas conservam-se cabisbaixas e silenciosas.) Fala, desavergonhada!
SEBASTIÃO (Baixo a Serafim.) - Deixe-se de patuscadas... O negócio é coisa muito séria.
SALAZAR (Ao Comprador.) - Que tal?
COMPRADOR - Bom frontispício. (A uma mulata.) Abre a boca, rapariga. Boa dentadura! (Passa-lhe grosseiramente a mão pela face e pelos cabelos, vira-a e examina-a de todos os lados.) Boa peça, sim, senhor! Tira fora este pano. (A mulata não obedece.)
SALAZAR - Tira fora este pano; não ouves? (Arranca o pano e atira-o violentamente fora. A mulata corre a apanhá-lo, mas Sebastião empurra-a. Ela volta ao lugar e desfaz-se em pranto, cobrindo os seios com as mãos.}
SEBASTIÃO - Olhem! Quer ter pudor! Onde já se viu isto? Negra com pudor!
SERAFIM - E chora! Ora não querem ver! Cachorra! Daqui a pouco é que hás de chorar deveras!
COMPRADOR (A Salazar, baixo.) - Por esta que está chorando dou vinte e cinco, negócio fechado.
SALAZAR (Baixo.) - Menos de trinta, nem um real... Tem pudor, homem! (A Serafim.) Leve-as. (Sai Serafim, empurrando na sua frente as mulatas. Sai igualmente o Caixeiro.)
CENA IX
SALAZAR, o COMPRADOR, SEBASTIÃO, GUSTAVO
(Dois grupos. Salazar conversa com o Comprador, Sebastião com Gustavo.)
GUSTAVO (A Sebastião.) - Estou em talas.
SEBASTIÃO - Como sempre.
GUSTAVO - Mas desta vez a coisa é séria, uma dívida de honra!
SEBASTIÃO - Já conheço as suas dívidas de honra: pagar a conta de alguma cocote.
GUSTAVO - Juro-lhe que a coisa é de gravidade. Uma ninharia: quatrocentos mil réis; mas, se os não arranjo, sou bem capaz de fazer saltar os miolos!
SEBASTIÃO - Seria sua primeira ação de juízo.
GUSTAVO - Acha que meu pai me negará esse dinheiro? Vou dar-lhe o bote!
SEBASTIÃO - Se eu fosse seu pai, não lho daria, porque tenho a certeza de que você iria perdê-lo, até o último vintém, na banca francesa.
COMPRADOR (A Salazar.) - Pois então está concluído o negócio. Hoje mesmo virei buscá-las.
SEBASTIÃO (Ao Comprador.) - Mas o senhor ainda não viu toda a gente que temos! Talvez encontre alguma que lhe agrade. Venha contemplá-la. (Saem juntos.)

CENA X
SALAZAR, GUSTAVO
GUSTAVO - Quero pedir-lhe um favor, meu pai.
SALAZAR - Dinheiro? Não há!
GUSTAVO - Mas...
SALAZAR - Não há, já disse! Não me aborreça!
GUSTAVO - É que...
SALAZAR - Não há quês, nem kás; ganhe-o com o suor de seu rosto, que eu não estou para alimentar vícios de malandros! (Sai.)

CENA XI
GUSTAVO, depois LOURENÇO
GUSTAVO (Só.) - Estou a braços com um caiporismo medonho! Há três dias que não ganho uma parada! Não me ponho no prego, por ser difícil achar quem me queira! Joguei quatrocentos mil réis sob palavra e não tenho com que os pagar! Os amigos a quem posso recorrer ou já são meus credores, ou são tão forrecas como eu. Palavra que não sei de que expediente lançar mão. (Lourenço entra de mansinho e vem colocar-se junto de Gustavo, sem que ele o veja.)
LOURENÇO - Vossemecê está incomodado?
GUSTAVO - Ah! Lourenço, pregaste-me um susto! Estou incomodado, sim.
LOURENÇO - E Lourenço não pode saber?
GUSTAVO - Ora! Saber para quê? Que remédio podes dar-me? O que eu quero é dinheiro! É de dinheiro que eu preciso! Tu o tens para mo emprestar?
LOURENÇO (Tirando do bolso, dinheiro embrulhado num lenço sujo.) - Aqui estão minhas economias, juntadas vintém por vintém... Se vossemecê precisa, Lourenço faz muito gosto...
GUSTAVO (Abrindo o embrulho e contando avidamente o dinheiro.) - Cento e vinte mil, seiscentos e vinte réis... (À parte.) Soma esquisita! Oh! que palpite! Em meia dúzia de paradas, isto pode render um conto de réis! Lourenço, daqui a pouco te restituirei esse dinheiro e mais vinte mil réis de gratificação. (Sai correndo.)

CENA XII
LOURENÇO, depois GABRIELA, CAROLINA
LOURENÇO (Ergue os olhos aos céus e enxuga uma lágrima.) - O jogo, sempre o jogo! Não posso, não devo, não quero sair de junto dele.
GABRIELA (Entrando com Carolina.) - Lourenço, onde está o senhor Salazar?
LOURENÇO - No escritório do guarda-livros.
GABRIELA - Carolina, vai lá dentro ter com teu pai. Vê como lhe fazes o pedido. Lembra-te de que ele é arrebatado; só com muita brandura se pode levá-lo...
CAROLINA - Não lhe dê cuidado, mamãe... (Saindo, a Lourenço.) Trata-se de vossemecê senhor Lourenço... Veja lá como lhe queremos bem! (Sai.)

CENA XIII
LOURENÇO, GABRIELA
LOURENÇO (Baixo e em tom de ameaça.) - Não quero absolutamente afastar-me de junto dele.
GABRIELA (Muito nervosa.) - Sim, sim... Farei tudo quanto estiver ao meu alcance, mas não fales nesse tom, porque se nos ouvem...
LOURENÇO - Não tenhas susto; há vinte e dois anos que guardo este segredo, e ainda não pronunciei uma palavra que pudesse despertar desconfianças. Prometo guardá-lo até à morte, se a senhora fizer que eu me conserve sempre ao lado dele.
GABRIELA - Sim... prometo... prometo... (À parte.) Oh! Deus! mereço eu tamanho castigo? (Alto.) Sai daqui... Aproxima-se o senhor Salazar. (Lourenço sai.)

CENA XIV
GABRIELA, SALAZAR, CAROLINA
CAROLINA (A Salazar.) - Perdoe ainda esta vez. Garanto-lhe que de hoje em diante ele abaixará a vista quando estiver, em sua presença.
SALAZAR - Tá tá tá! O Lourenço segue amanhã com o lote tocado pelo Sebastião, e vai apanhar café na fazenda, com instruções ao Evaristo para castigá-lo com todo o rigor à menor falta. É resoluço inabalável! Não cederei aos anjos do céu, que venham em comissão.
CAROLINA (Com voz trêmula pela comoção.) - Se as minhas palavras não o comovem, meu pai, ao menos as minhas lágrimas... (Desata em pranto.)
SALAZAR - Valha-me Deus! Vem cá, pequena, dize-me: que interesse têm vocês em proteger aquele tratante?
GABRIELA - Não é interesse, senhor, é amizade. O Lourenço é cria de família... viu-a nascer... e ao Gustavo. Trouxe-os ao colo. Tratou-os sempre com carinho. Além disso, é bom escravo: o senhor, só o senhor antipatiza com ele.
CAROLINA - Sem razão, sem razão. Aquilo nele é natural. Cada qual como nasceu. Vossemecê preferia que o Lourenço fosse desses escravos que na frente se derretem em humilhações e por detrás são inimigos encarniçados de seus senhores?
SALAZAR (Depois de uma pausa.) - Bem... Ainda desta vez, cedo.
AS DUAS - Ah!
SALAZAR - Mas sob uma condição...
CAROLINA - Qual?
SALAZAR - De me deixarem livre e desembaraçadamente ir-lhe ao pêlo, quando não andar muito direitinho.
CAROLINA – Pois bem.
SALAZAR - Levem-no com todos os diabos!
CAROLINA (Abraçando-o.) - Ah! obrigado, paizinho. Lourenço! (Lourenço aparece.) Vamos para casa. Vem conosco.
SALAZAR (A Lourenço.) - Vá lá, mas sem exemplo! Agradeça à sinhazinha, ladrão. (Ouve dentro pancadaria e choradeira.) Que é isto?
GABRIELA (Enquanto Salazar volta as costas.) - Vamos, vamos! (Sai com Carolina. Lourenço acompanha-as.)

CENA XV
SALAZAR, SERAFIM
SERAFIM (Trazendo um vergalho em uma das mãos e uma grande palmatória na outra.) - Arre! Estreei-me perfeitamente!
SALAZAR - Que foi?
SERAFIM - Esta corja de moleques e negrinhas! Faziam uma algazarra de ensurdecer! Distribuí chicotadas da direita para a esquerda! Não perdi uma!
SALAZAR - Toque! O senhor é o homem que me serve! (Depois de lhe apertar a mão.) Vou vê-los! Vou vê-los! (Sai.)
SERAFIM (Só.) - Que dirão os meus colegas do Clube Abolicionista Pai Tomás?
FIM DO PRIMEIRO ATO
ATO II
Em casa de Salazar.
CENA I
DOUTOR ENGÊNIO, CAROLINA ao piano
CAROLINA - Não gosta desta habanera?
DOUTOR - Prefiro a mais vulgar música a um trecho sublime de Beethoven ou de Mozart...
CAROLINA - Como assim?
DOUTOR - Quando esta música vulgar é executada pelos seus dedos.
CAROLINA (Enleada.) - Oh! Doutor...
DOUTOR - Peço-lhe que não me trate pelo meu título; as afeições recíprocas excluem essas formalidades banais. A sua cerimônia faz-me supor não ser correspondido.
CAROLINA - Oh! porventura vê alguma coisa em mim que possa autorizar esse juízo?
DOUTOR - Só tenho lido nos seus olhos, amor, candura e inocência. Oh! amo-a muito, adoro-a, Carolina! Tenho uma vaga reminiscência de haver visto o seu semblante em um mundo ideal... no mundo dos sonhos talvez! (À parte.) Flor entre cardos! Pérola no lameirão! A eterna antítese! Oh! mas hei de tirá-la pura do meio impuro em que vive. Porque amo-a!
CENA II
OS MESMOS, JOSEFA
JOSEFA (Entrando a praquejar.) - Má raios te partam, te enconjuro, credo! Que azucrinação de todos os diabos! Esta molecada não me deixa sossegar! (Vendo o doutor e Carolina.) E estes dois aqui sozinhos! Que pouca vergonha! Vou participar ao mano que não posso mais viver nesta casa! De todos os lados só se vê má-criação, patifaria e pouca vergonha!
CAROLINA (Deixando o piano.) - Está zangada, tia Josefa?
JOSEFA - Estou, sim! Pois se aqui ninguém me respeita, ninguém faz caso de mim. Sou um dois-de-paus!
DOUTOR - Engana-se.
JOSEFA - Deixe-me falar... que eu só falo quando tenho rezão. Mandei um desses moleques à venda comprar quatro vinténs de pimenta-do-reino e o diabo levou duas horas na rua. Que lembrança teve o mano em mandar para cá os negros que não couberam na Casa de Comissão! É uma negralhada, que nem santo pode aturar!
CAROLINA - Porém...
JOSEFA - Deixe-me falar, com a breca! Não fazem caso de mim os tais senhores negros! Se dou uma ordem, ela entra por um ouvido e sai por outro. Ainda ontem disse à pernambucana que queria o meu vestido de fustão engomado hoje, e até agora a excomungada nem ao menos o pôs na goma.
DOUTOR - Mas...
JOSEFA - Deixe-me falar, homem de Deus! Eu levantava as mãos para o céu e acendia uma vela a Nossa Senhora das Candeias, no dia em que visse enforcados todos os negros desta terra! (Olhando ironicamente para o doutor Eugênio.) Eu bem sei que esta opinião desagrada a certos sujeitinhos que são abolicionistas, mas andam à coca de meninas que tem escravos.
DOUTOR - Perdão, parece-me...
JOSEFA - Deixe-me falar... (Carolina toma o doutor pela mão e leva-o para o jardim. Josefa não dá pela saída dos dois.) Se a carapuça serviu a alguém, esse alguém que a deite na cabeça, e vá para todos os diabos, que eu não tenho a quem dar satisfações, e não as dava nem a meu pai, que ressuscitasse! (Vendo-se só.) Foram-se? não importa! Hei de falar até não poder mais! Hei de falar mesmo sozinha, porque com certeza alguém estará escutando à porta. Doutor das dúzias! ainda aqui com partes de abolicionista, e quer casar com a filha de um homem que ele sabe que tem toda a sua fortuna em escravos. Ah! inveja! inveja!
CENA III
JOSEFA, SERAFIM
SERAFIM - Senhora dona Josefa, o patrão manda buscar as crioulas Jacinta e Quitéria.
JOSEFA - Ah! É você? Sente-se aqui e ouça-me (Obriga-o a sentar-se.) Veja se eu tenho ou não rezão quando falo. Vivo aqui no inferno, seu Serafim, sou tratada como uma negra! Ninguém me respeita, ninguém faz caso de mim. Estou morta por me ir embora. Aqui eu fico maluca, se já o não estou!
SERAFIM (Querendo levantar-se.) - O patrão...
JOSEFA (Obrigando-o a sentar-se.) - Deixe-me falar! Também você?
SERAFIM - Tem toda a razão, mas é que...
JOSEFA - Ainda ontem...
SERAFIM (Mexendo-se.) - O patrão tem pressa!
JOSEFA (Gritando.) - Deixe-me falar! Ainda ontem tinha eu dado ordem para mudar o coradouro.
SERAFIM - Nada! Vou eu mesmo buscar as crioulas... (Sai rapidamente.)
JOSEFA (Perseguindo-o.) - Ouça o resto, homem do diabo! Ainda ontem... Olhe! Seu Serafim! (Perde-se a voz nos bastidores.)

CENA IV
UM CREDOR, introduzido por LOURENÇO, depois GABRIELA
LOURENÇO - Faça favor de entrar... Eu vou chamar minha senhora... (Saída falsa.) Não é preciso: ela aí vem. (Entra Gabriela.) Minha senhora, este senhor deseja falar com vossemecê. (Gabriela cumprimenta o credor com a cabeça. Lourenço afasta-se e fica escutando ao fundo.)
O CREDOR - Minha senhora, eu vim procurar seu filho, o senhor Gustavo; o criado disse-me que ele não está em casa; fará vossa excelência o obséquio de me informar do lugar e da ocasião em que poderei encontrá-lo?
GABRIELA - Sou a última a saber da vida de meu filho, senhor. Raras vezes o vejo. Passam-se dias e dias que não vem a casa, e nunca diz para onde vai.
O CREDOR - Se vossa excelência me concedesse alguns momentos de atenção, desejava fazer-lhe revelações importantes a respeito do senhor seu filho; revelações que com certeza hão de magoá-la muito, mas que julgo necessárias.
GABRIELA - Não me surpreende. Já estou tristemente habituada aos desmandos de Gustavo; tudo tenho em vão tentado para trazê-lo ao bom caminho. - Queira sentar-se. (Sentam-se ambos.)
O CREDOR - Mas cuido que Vossa Excelência ignora a que ponto chegaram as coisas.
GABRIELA - Infelizmente sei. Apaixonou-se por uma mulher perdida, e, não podendo suprir as despesas extraordinárias que acarretam essas loucuras, recorre ao jogo.
O CREDOR - Recorre a coisa pior, minha senhora.
GABRIELA - Como?
O CREDOR (Tirando um papel do bolso.) - Tenha a bondade de ver.
GABRIELA - É uma letra de quinhentos mil réis, assinada por meu marido.
O CREDOR - Examine bem a assinatura.
GABRIELA (Lendo.) - Pedro Salazar.
O CREDOR - Reconhece a assinatura como do próprio punho do senhor Salazar?
GABRIELA (Depois de uma pausa.) - Meu Deus! (À parte.) Falsa!
LOURENÇO (Corre, toma freneticamente a letra das mãos do credor e rasga-a.) - Oh!
O CREDOR - Estou duas vezes roubado! Vou ter com a Polícia!
GABRIELA (Tomando-o pelo braço.) - Por quem é, não o faça! É uma mãe que lho pede! Queira esperar aqui um momento. (Sai.)
LOURENÇO (Ajoelhando-se em frente ao Credor.) - Por tudo quanto há de mais sagrado, pelo amor que tem a sua mãe, não lhe faça mal, meu senhor! Juro por Maria Santíssima que lhe pagarei esse dinheiro dentro de pouco tempo, com o juro que quiser. (Ergue-se.)
GABRIELA (Voltando.) - Aqui estão algumas de minhas jóias. Leve-as, venda-as e pague-se, senhor!
O CREDOR (Depois de uma pausa.) - A prática dos negócios e o atrito dos interesses egoístas blindam-nos o coração e nos tornam insensíveis aos dissabores alheios; porém não tanto como o propalam os senhores sentimentalistas... sem vintém. Quando é necessário, temos coração. Guarde as suas jóias, minha senhora! Nada transpirará deste fato, e, quanto ao pagamento, fa-lo-á quando e como lhe for possível. Às ordens de vossa excelência.
GABRIELA (Apertando-lhe a mão.) - Obrigada!
LOURENÇO (Beijando-lhe as mãos.) - Sou um pobre escravo; mas as ações generosas fazem-me chorar... (Sai o Credor acompanhado por Lourenço.)
GABRIELA (Só.) - Meu Deus! meu Deus! quando acabará este martírio? (Cai numa cadeira a soluçar. Disfarça as lágrimas ao ver entrar a filha pelo braço do doutor.)

CENA V
GABRIELA, DOUTOR, CAROLINA, que entram sem ver GABRIELA
CAROLINA - Tenha coragem, Eugênio! Declare-se-lhe francamente. Afianço-lhe que será bem tratado e receberá o preciso consentimento.
DOUTOR - Não o creio, Carolina. Basta ver-me para ficar de mau humor. Vota-me uma antipatia invencível, leio-a nos seus olhos, no seu modo de falar, em tudo! E se, sendo tão mal visto pelo dono da casa, ainda me atrevo a pôr aqui os pés, é porque... é porque...
GABRIELA (Interpondo-se.) - É porque ama-a, e deseja casar-se com ela. Quanto a mim, honro-me muito em tê-lo por genro. Mas meu marido é contrário a esta idéia, e meu marido é teimoso.
CAROLINA - Minha mãe!
DOUTOR - Ignoro a causa desta aversão que ele me volta.
GABRIELA - Pois ignora?
DOUTOR - Decerto. Sou perfeitamente inocente.
GABRIELA - Não consta que o doutor tem idéias emancipadoras?
DOUTOR - Sim. Se bem que não apresente como paladino, faço modestamente tudo quanto posso pela causa da emancipação dos escravos. (Pausa.) Estou perfeitamente convicto de que a escravidão é a maior das iniquidades sociais, absolutamente incompatível com os princípios em que se esteiam as sociedades modernas. É ela, é só ela a causa real do nosso atraso material, moral e intelectual, visto como, sendo a base única da nossa constituição econômica, exerce a sua funesta influência sobre todos os outros ramos da atividade social que se derivam logicamente da cultura do solo. Mesmo no Rio de Janeiro, esta grande capital cosmopolita, feita de elementos heterogêneos, já hoje possuidora de importantes melhoramentos, o elemento servil é a pedra angular da riqueza. O estrangeiro que o visita, maravilhado pelos esplendores da nossa incomparável natureza, mal suspeita das amargas decepções que o esperam. Nos ricos palácios como nas vivendas burguesas, nos estabelecimentos de instrução como nos de caridades, nas ruas e praças públicas, nos jardins e parques, nos pitorescos e decantados arrabaldes, no cimo dos montes, onde tudo respira vida e liberdade, no íntimo do lar doméstico, por toda a parte, em suma, depara-se-lhe o sinistro aspecto do escravo, exalando um gemido de dor, que é ao mesmo tempo uma imprecação e um protesto. E junto do negro o azorrague, o tronco e a força, trípode lúgubre em que se baseia a prosperidade do meu país! Oh! não! Cada dia que continua este estado de coisas, é uma cusparada que se lança à face da civilização e da humanidade! Sei que me acoimarão de idealista, alegando que não se governam nações com sentimentalismos e retóricas. Pois bem, há um fato incontroverso e palpável, que vem corroborar as minhas utopias. E sabido que os imigrantes estrangeiros não procuram o Brasil ou não se conservam nele, por não quererem emparceirar-se com os escravos. A escravidão é uma barreira insuperável à torrente imigratória. Portanto penso que só há uma solução para o problema da transformação do trabalho: a espada de Alexandre!
CAROLINA - Muito bem, Eugênio: daria um jornalista esplêndido!
GABRIELA - As suas idéias, doutor, chegaram aos ouvidos do senhor Salazar, e foi quanto bastou para considerá-lo seu inimigo natural. (Ouve-se a voz de Josefa, que descompõe alguém, gritando.)
DOUTOR - Nesse caso, deverei perder as esperanças, porque, acima dos impulsos do meu coração, acham-se os princípios sagrados da liberdade e do direito conculcado.
GABRIELA - Mas não perca a esperança. Com paciência muito se conseguirá. Sobretudo, não precipite os acontecimentos.
CAROLINA (Que ouve a voz de Josefa, a qual não tem cessado de ralhar.) Titia Josefa destemperou! Vou bulir com ela! (Alto.) Ó titia, que é lá isso, pegou fogo na casa?
A VOZ DE JOSEFA (Mais próxima, enquanto o doutor conversa com Gabriela.) - Também você, sua delambida? Quer tomar chá de garfo comigo? Vem para cá, que te ponho as orelhas em pimentão!
CAROLINA (Sempre à porta.) - Não seja tão mazinha, titia do coração. (Foge para junto da mãe.)
JOSEFA (Nos bastidores.) - Tomara que já chegue o dia da minha morte, só para ver se eu descanso um dia na minha vida. (Atravessa a cena com uma vassoura na mão e uma caçarola na outra.) Amanhã me mudo desta casa. Não posso mais com esta vida! Que inferneira! te arrenego! (Sai. Carolina arremeda-a.)
CAROLINA - Venha cá, titia, olhe, escute!
GABRIELA (Ao doutor.) - Depois de amanhã vamos para a fazenda, onde passaremos um mês. O doutor não nos quer fazer companhia?
DOUTOR - Eu? Depois do que acabo de saber?
CAROLINA (Que se tem aproximado.) - Sem dúvida que há de ir, e por isso mesmo. Papai terá lá muito pouca gente com quem se entreter, e será obrigado a fazer as pazes com o senhor. Eu serei a intermediária. Ele não é tão mau como dizem.
GABRIELA - Além disso, o ar do campo tem a virtude de abrandar um tanto...
DOUTOR - Bem; nesse caso, aceito... (Baixo a Carolina, passando.) A tudo me sujeito para estar ao pé de ti. (Apertando-lhe a mão.) Adeus!
CAROLINA - Até quando?
DOUTOR - Até sempre. (Aperta a mão de Gabriela.) Dona Gabriela...
GABRIELA - Até sempre, doutor...
CAROLINA - Apareça para combinarmos na viagem. (O doutor cumprimenta e sai. À mãe.) Felizmente Eugênio é o médico da casa... Se não fosse isso, papai seria capaz de dar a entender que o não queria ver aqui...
GABRIELA - E se ainda o não deu, é por ignorar que ele te requesta. Mas vamos para dentro. (Toma as jóias.)
CAROLINA - As suas jóias? Por que estão aqui?
GABRIELA - Por nada... Vamos, Carolina. (Saem.)

CENA VI
SERAFIM, entrando a tocar duas escravas diante de si, e acompanhado por JOSEFA
JOSEFA - Mas ouça, homem de Deus!
SERAFIM - Desculpe, minha senhora, desculpe, não posso ouvir. A senhora já me tem demorado tanto! É até possível que o patrão me ponha no andar da rua! Eu sou tão caipora... sou um tipo tão arrebentado! Vamos raparigas! Vamos! Toca!
JOSEFA (Tomando-o pelo braço.) - Ouça, e veja se não tenho razão quando falo... escute...
SERAFIM - Virgem Nossa Senhora! Não posso agora! Estou com muita pressa! Logo mais!
JOSEFA - Não, há de ser já... escute! (Serafim sai correndo, tocando as negras adiante de si. À porta.) Malcriado! Trampolineiro! (Indo à janela.) Patife! Desavergonhado! Vou descompô-lo pela janela do beco! (Saindo.) Hás de pagar-me! Hei de ensinar-te a prestar atenção às pessoas mais velhas! (Sai gritando sempre. A cena fica vazia por alguns momentos. Por algum tempo, ouve-se ao longe a voz de Josefa. Entra Gustavo e atira, de mau humor, o chapéu ao chão.)

CENA VII
GUSTAVO, depois LOURENÇO
GUSTAVO - Desgraça! Desgraça! Só me falta, para solução final, cravar uma bala nos miolos. Já o tentei uma vez, mas falhou-me a energia e tremeu-me o braço. (Lourenço ao fundo espreita-o.) Uma coisa por demais! Não há meio de desforrar mil réis que sejam! (Pausa.) Mas é indispensável, urgente, imprescindível, que eu, de qualquer modo, resgate aquela letra, para ao menos ressalvar o resto de vergonha e honradez compatível com a deplorável vida que levo! (Atira-se no sofá e fecha os olhos. Pausa.) Treze... Treze... Quatorze! Quinze! Chorrilho de grandes! Em um quarto de hora posso ganhar uma fortuna, deixando a dobrar! (Abre os olhos, olha em roda de si e aponta para o gabinete.) É ali. (Tirando uma chave do bolso.) A chave cabe perfeitamente... Tiro o dinheiro, e em menos de meia hora o reponho! Ninguém o saberá. (Dirige-se para o gabinete e estaca na porta.) Gustavo! Gustavo! que vais fazer? Miserável! Ah! Porém... Ora! Não há dúvida! Bastará um chorrilho de oito grandes para endireitar tudo! (Sai.)

CENA VIII
LOURENÇO, depois GUSTAVO
LOURENÇO (Que tem acompanhado ao fundo todo o monólogo de Gustavo, dirige-se à porta do gabinete e espreita.) - Que faz ele? Jesus! Misericórdia! Abre a secretária com uma chave falsa! Ah! não! custe o que custar, hei de impedir aquela infâmia, que o desonra... e que me desonra também!
GUSTAVO (Voltando, sem ver Lourenço, contando o dinheiro.) - Trezentos! Trezentos e cinquenta! Um chorrilho de oito grandes é coisa muito comum nos dados. Pondo cinquenta mil réis a dobrar, levanto quatro contos e oitocentos num abrir e fechar d’olhos! (Vai a sair.)
LOURENÇO (Interpondo-se.) - Dê-me isto?!
GUSTAVO (Surpreendido.) - Isto quê?!
LOURENÇO - Dê cá este dinheiro!
GUSTAVO - Enlouqueceste! Quem és tu para me falares assim?
LOURENÇO - Eu, Lourenço. Sou eu.
GUSTAVO - Arreda, bêbado! Deixa-me passar!
LOURENÇO - Não há de sair daqui com o que tem na mão!
GUSTAVO - Não estou agora para aturar-te a cachaça! Se estivesses bom da cabeça, pagavas-me caro o desaforo! (Vai a sair.)
LOURENÇO (Colocando-se na porta.) - Não sairá sem me entregar este dinheiro!
GUSTAVO (Encolerizado.) - Deixa-me, diabo!
LOURENÇO - Não! (Segura Gustavo, que tenta sair.)
GUSTAVO - Cão! Olha que és um negro cativo, e eu sou teu senhor!
LOURENÇO - Pouco importa! Não posso consentir no que faz! Entregue-me o dinheiro! (Pequena luta, finda a qual, Lourenço tem-se apoderado do dinheiro.)
GUSTAVO - Miserável! Ladrão! Patife! Corto-te a chicote! (Dá-lhe uma bofetada no momento em que aparece Gabriela.)

CENA IX
LOURENÇO, GUSTAVO, GABRIELA
GABRIELA - Lourenço! Gustavo! Meu Deus!...
LOURENÇO (Em tom singular.) - Esta bofetada será um direito perante os homens, mas perante Deus é um sacrilégio. Eu...
GABRIELA (Correndo para Lourenço.) - Lourenço, não o digas!
LOURENÇO (Desvencilhando-se.) - Eu sou teu pai! (Tomando Gabriela pelo braço.) Negue! Negue, se é capaz! (Gabriela dá um grito e cai desfalecida. Longa pausa. Gustavo fulminado recua paulatinamente, fitando Lourenço com o olhar desvairado. Entra Salazar, que estaca no fundo ao ver a cena.)
CENA X
OS MESMOS, SALAZAR
SALAZAR (Descendo.) - Que é isto?! Minha mulher desmaiada... Meu filho desvairado... Este negro... (Vendo dinheiro.) Dinheiro! (Tomando-lhe das mãos.) Dinheiro?! Onde o roubaste?
LOURENÇO (Caindo de joelhos a soluçar.) - Da sua secretária, meu senhor.
SALAZAR (Colérico.) - Ladrão! Além do mais, é ladrão!
GUSTAVO (Como voltando a si, febrilmente.) - Negro?! Eu! Filho de um escravo! Oh!... Impossível! Meu Deus!
FIM DO SEGUNDO ATO

ATO III
Na fazenda do Pouso-alto. Sala interior, vendo-se ao fundo o terreiro, com depósito de cereais e aparelhos agrícolas. Arvoredos, etc., etc. Ao levantar do pano, ouve-se a voz do feitor dando ordens.
CENA I
JOSEFA, EVARISTO
A VOZ DE EVARISTO - Se não tens força, vou eu ensinar-te! (Ouve-se estalar o chicote) Tira o couro deste animal! Grita, burro, que quanto mais barulho fizeres, pior será. (Gemidos de dor.) Levem-no para o roçado novo, à beira d’água, amarrem-no a um tronco de árvore! Lá poderá berrar à vontade. (Esvaem-se os gemidos e a voz.)
JOSEFA (Entrando.) - É só o que se vê desde menhã até de noite! Negro, café, chicote, tronco; tronco; café, chicote, negro. Despois que aqui cheguemos, há mais de quinze dias, inda não vi nem ouvi outra coisa! Quem é que pode com esta vida? Despois dizem que eu sou faladeira... Eu só falo quando tenho rezão. Se não querem me ouvir, vou pro meio do cafezal, e hei de falar, falar, até não poder mais! Quem é que pode ficar calado quando assunta coisas daquelas! A gente perde até a vontade de comer! Ora, quem havera de pensar! ... Bem sei por que ela ficou maluca... Desde muito tempo que o tal nhonhô Gustavinho me dava que pensar! Ela é branca, o mano é muito disfarçado... Como é que saiu um filho moreno e de cabelos duros? Isto sempre me intrigou; mas, enfim, não dizia nada, porque eu só falo quando tenho rezão... Porém, despois que vi o tal Gustavinho variando por causa da moléstia, confirmaram-se as minhas desconfianças, e vou dar parte ao mano, aconteça o que acontecer. E sabe Deus, sabe Deus, se ela está doida, e se aquilo de estar no hospício não é manha! E de família! Já a mãe não se falava bem dela, e a irmã....cala-te, boca! Elas, pelo menos, procuravam gente branca. Mas não um escravo, um negro! Oh! fico toda arrepiada quando penso nisso! (À parte.) Com um escravo! parede. (A uma cadeira.) Com um negro, cadeira! (Ao sofá.) Um negro! (Repete a todos os objetos que se acham na sala com tremeliques nervosos e sai com as mãos na cabeça e repetindo.) Um negro! Um negro!...
CENA II
DOUTOR, CAROLINA; entra cada um de seu lado
CAROLINA (Indo ao encontro do doutor.) - Como o acha, Eugênio?
DOUTOR - Posso quase assegurar-lhe que está livre de perigo, salvo complicações imprevistas; Gustavo foi presa de uma fortíssima comoção cerebral que, se devesse matá-lo, já o teria feito. Consegui debelar a febre que o prostava, e cuido que o seu estado deixou de ser melindroso.
CAROLINA - E minha mãe, e minha pobre mãe?!
DOUTOR - Talvez recupere a razão no Hospício de Pedro II, para o qual foi necessário removê-la. Mas não tenho esperança alguma. A sua loucura apresenta um caráter horrível.
CAROLINA (Chorando, apoia-se ao ombro do doutor.) - Eugênio! No meio de que desgraças e dissabores tem se alimentado o nosso amor!
DOUTOR - Consola-te, Carolina.
CAROLINA - E por mais que procure, não atino com a causa de tanto infortúnio. Minha mãe louca.... Gustavo doente... Lourenço... Não sei por quê, mas parece-me que Lourenço não é estranho a estas desgraças... A cólera de papai, a fugida de Lourenço...
DOUTOR - Lourenço subtraiu dinheiro da secretária de seu pai... A exaltação do senhor Salazar impressionou dona Gabriela a ponto de lhe tirar a razão... A doença de Gustavo é causada, sem dúvida, pelo estado em que viu sua mãe!
CAROLINA - Vamos ter com Gustavo... É preciso não abandoná-lo um só momento... Pobre irmão! Venha comigo, Eugênio. (Saem)

CENA III
SALAZAR, EVARISTO, FEITOR
SALAZAR - Encampo tudo quanto fizer. Para negros não há contemplações.
EVARISTO - Eu cá não brindo. À menor falta que cometam, trabalha o bacalhau feio e forte!
SALAZAR - Assim! Entendo que o negro só deixa resultado com o seguinte sistema: das cinco da manhã às sete da noite é roçar, derrubar matas e apanhar café; às oito da manhã e à uma da tarde é angu, abóbora e couve. E sempre que for possível, chicote e tronco, para tirar-lhes a preguiça!
EVARISTO - É o sistema por mim seguido desde que o senhor me confiou a administração desta fazenda. Tenho-me dado muito bem com ele, e não pretendo mudá-lo.
SALAZAR - São todos mansos como cordeiros.
EVARISTO - A maior parte. Há um grupo de quatro ou cinco um tanto rebeldes. Negros novos. Gente do Ceará. Antipatizam comigo; mas essa ojeriza têm-lhes custado caro. Ainda há pouco, mandei surrar um deles com todos os sacramentos... Prometo que hei de pô-los a todos no bom caminho! E o tal Lourenço? Nada?
SALAZAR - Já foi filado, segundo um telegrama de Serafim, que hoje recebi. O rapaz é esperto, foi uma bela aquisição, o Serafim!
EVARISTO - Ainda bem! Agora sua licença: vou dar providências sobre o embarque do café!
SALAZAR – Vá, vá, senhor Evaristo. (Evaristo sai) É o beijinho dos feitores.

CENA IV
JOSEFA, SALAZAR
SALAZAR (A Josefa, que entra.) - Como vai o rapaz, mana?
JOSEFA - Sei cá! Pode ir melhor, ou pior, ou na mesma, pouco se me dá!
SALAZAR - Oh! não tanto assim! Gustavo é um estróina, é um inútil, convenho; mas afinal, é meu filho, e portanto seu sobrinho...
JOSEFA - Meu, não! Lavo a testada!
SALAZAR - Hein?...
JOSEFA - Nunca!
SALAZAR - Nunca?!
JOSEFA - Jamais!
SALAZAR - Explique-se! Não gosto de meias palavras.
JOSEFA - Quantos dedos tenho eu nesta mão?
SALAZAR - Cinco, creio.
JOSEFA - E nesta outra?
SALAZAR - Cinco também, parece-me!
JOSEFA - E nas duas juntas?
SALAZAR - Ora vá para o inferno.
JOSEFA - Diga!
SALAZAR - Dez! Vamos lá!
JOSEFA - Pois tenho tanta certeza de ter cinco nesta, cinco nesta, e dez nas duas juntas, como tenho a certeza de que o tal Gustavinho não é seu filho, e muito menos meu sobrinho.
SALAZAR - Você está caducando ou deu na aguardente do alambique!
JOSEFA - Mano, eu só falo...
SALAZAR - Quando tem razão: os doidos dizem a mesma coisa.
JOSEFA - Desculpo as suas má-criações, porque eu só quero o seu bem. Está então convencido de que esse coisinha é obra sua?
SALAZAR - Não! provavelmente há de ser do vigário.
JOSEFA - Olhe que eu estou falando sério. Quem dera que fosse do vigário!
SALAZAR - Então há de ser do diácono!?
JOSEFA - Desça!
SALAZAR - Do sacristão.
JOSEFA - Desça mais!
SALAZAR - Ora desça você para as profundezas do inferno com a sua língua de víbora, e vá aborrecer ao diabo que a carregue!
JOSEFA (Segurando-lhe no braço) - Diga-me uma coisa: que dia é hoje?
SALAZAR - Sexta-feira.
JOSEFA - Quantos do mês?
SALAZAR - Doze.
JOSEFA - Que horas são?
SALAZAR - Deve ser dez. Ora, senhor! Já me não bastava a mulher doida! Também esta!
JOSEFA - Pois bem: tome nota do que lhe disse, mês, semana, dia, hora, e lugar.(Saindo, com ironia.) Eu é que sou maluca! Eu é que sou maluca! (Saída falsa.)
SALAZAR (Segurando-a com força pelo braço.) - Velha maldita! explique-se ou a esgano! Não sei a quem se referem as suas suspeitas. Você não passa de uma miserável caluniadora, de uma vil intrigrante, de uma envenenadora de profissão! Eis aí ! (Dá-lhe um empurrão, Josefa vai cair sobre o sofá.)
JOSEFA (Erguendo-se.) - Apare o carro! Quer que eu me explique? Pois eu me explico. (Pausa.) De que cor é a sua pele?
SALAZAR - Aí vem o estilo cabalístico! (Com força.) Branca!
JOSEFA - Sim... . apesar de que o nosso bisavô materno era pardo.
SALAZAR (Tapando-lhe a boca.) - Psit, mulher!...
JOSEFA - Bem pardo!
SALAZAR - Mana!
JOSEFA - E foi escravo até a idade de cinco anos!
SALAZAR - Cala-te, diabo!
JOSEFA - Ninguém nos ouve. Era mulato e escravo; mas a aliança com galegos purificou a raça, de sorte que tanto você como eu somos perfeitamente brancos... Temos cabelos lisos e corridos, beiços finos e testa larga.
SALAZAR - Bem; que mais?
JOSEFA - Qual é a cor de sua mulher?
SALAZAR - Branca...
JOSEFA - E bem branca. Ora, sim, senhor. Como é que explica que seu filho seja bastante moreno, tenha beiços grossos e cabelos duros? Hein?
SALAZAR (Sorrindo.) - Você é uma toleirona. Também a mim, isto causava espécie; mas disse-me um médico ser este fato observado em famílias que contam um ou mais ascendentes remotos de cor. Desgostou-me muito isso; mas enfim! São caprichos da natureza! Uma raça não se purifica inteiramente senão depois de séculos... A mestiçagem com africanos produz atavismos...
JOSEFA - Bem... não digo mais nada... Prefiro deixá-lo na doce ilusão. (Vai a sair.)
SALAZAR (Segurando-a.) - Com mil diabos! Já agora quero saber!
JOSEFA - Quer?
SALAZAR - Sim!
JOSEFA - Pois ouça lá, mesmo porque já estou engasgada. Sou capaz de estourar, se fico calada! Ontem à noite fui ao quarto de Gustavo... Ele estava ardendo em febre e delirava... Sabe o que dizia? Dizia assim - Eu? Filho de um negro? Eu? Negro? Eu? Ladrão?!
SALAZAR (Muito agitado.) - E o que conclui você daí?
JOSEFA (Hipocritamente.) - Concluo... concluo que o Lourenço é uma cria de família... muito estimado... escandalosamente protegido por sua mulher. Deus lhe perdoe, e.. (Salazar agarra na garganta da velha, dá um grito e sai correndo.)

CENA V
JOSEFA (Só.)
JOSEFA - Quase me estrangula! Ih! Nunca pensei que a coisa causasse tanto barulho! (Com voz medrosa e de mãos postas.) Meu Santo Antônio, fazei com que não aconteça alguma desgraça, porque tal não era a minha intenção! Juro que não era a minha intenção! Juro que não era! (Jura com os dedos em cruz.) Vós bem sabeis, meu bom santo, que só falo quando tenho rezão. Vou para o meu oratório rezar dez padre-nossos e dez ave-marias, para que fique tudo em paz nesta casa! (Benze-se.) Minha Nossa Senhora das Candeias! Ainda bem que eu estou fora de toda esta intrigalhada (Fora de cena.)... e tenho a minha consciência limpinha. Só me meto com a minha vida... (Perde-se a voz.)

CENA VI
GUSTAVO. magro, pálido, alquebrado, amparado pelo DOUTOR e por CAROLINA
DOUTOR - É uma imprudência! Faz mal, faz mal, senhor Gustavo!
GUSTAVO - Não, doutor... ficarei sossegado... aqui... nesta poltrona... (Sentam-no.)
CAROLINA - Meu irmão, atende ao teu médico...
GUSTAVO - Deixem-me... quero estar só! (Fecha os olhos. Carolina, depois de uma pausa, julgando-o a dormir, impõe silêncio ao doutor, toma-o pelo braço e saem ambos pé ante pé. Só.) Terrível! terrível pesadelo de todos os momentos! Oh! por que me não fulminou um raio, minutos depois daquela monstruosa revelação?! Deus! Destino! Providência! Acaso! Qualquer que seja o teu nome, és bem cruel para aquele cujo único crime foi a leviandade e a inexperiência próprias da mocidade! (Nervosamente.) Gustavo Salazar, és filho de um escravo! Ferve-te nas veias o sangue africano! Pertences à raça maldita dos párias negros! À qual sempre votaste o desprezo mais profundo! Tua mãe prevaricou com um escravo... Oh! (Soluça amargamente.)

CENA VII
O MESMO, SERAFIM, LOURENÇO
SERAFIM traz pelo cós da calça LOURENÇO, que tem as mãos amarradas sobre as costas, e está magro, hirsuto e com ar idiota.
SERAFIM - Aqui está o negro! Safa! Custei! (À parte.) Quando ia entrar na estação da estrada de ferro, encontrei o presidente do Clube Abolicionista Pai Tomás... Mas é preciso ganhar a vida! (Gustavo ergue-se e recua espavorido para o canto oposto do teatro, fitando Lourenço com o olhar desvairado.) Admira-se, não é assim? Ah! eu cá, quando porfio, mato caça. Eu e dois pedestres andamos por ceca e meca e Olivares de Santarém, mas afinal seguramos o negro, e bem seguro! (A Lourenço.) Foge agora, se és capaz, tratante! cachorro! peste! descara...
GUSTAVO (Segurando-o pela garganta.) - Cale-se!
SERAFIM (Engasgado.) - Fala comigo?
GUSTAVO - Se ousar dirigir-lhe a mais leve injúria, mato-o! (Larga-o).
SERAFIM (À parte.) - Esta agora! que bicho o mordeu? (Alto.) Mas senhor Gustavo...
GUSTAVO - Saia! (Empurra-o.)
SERAFIM (Saindo, à parte.) - Ora, dá-se! Homessa!...

CENA VIII
GUSTAVO, LOURENÇO, depois o DOUTOR
Cena muda. Ficam em frente um do outro, silenciosos.
GUSTAVO (Consigo.) - Sonho terrível! Meu... pai, aquele que ali está! Mas, não! É o delírio da febre... Impossível! (Pausa. Inclina-se sobre o sofá e oculta o rosto, soluçando.) Dilata-se-me o coração... estala-se-me o peito que mal o pode conter... É o grito fatal da natureza! É a voz sagrada do sangue! (Por três vezes sucessivas Gustavo vai dirigir-se a Lourenço, mas, ao aproximar-se dele, recua convulsivamente, com certa repugnância. Lourenço curva a cabeça e soluça. Neste momento, o doutor vai entrar, mas, vendo o quadro, volta e assiste à cena, da porta, sem ser visto pelos dois.) Aquele que ali está amarrado e vi ipendiado, que em breve vai sentir nos seus pés o ferro da ignomínia e em suas costas o açoite infamante do cativeiro, é... é meu pai. (A tira-se aos braços de Lourenço, o qual, com um supremo esforço e dando três solavancos, quebra as cordas que lhe algemam os pulsos. Ficam abraçados.)
DOUTOR (À parte.) - Compreendi tudo! meu Deus!... (Desaparece.)

CENA IX
GUSTAVO, LOURENÇO,. SALAZAR, SERAFIM, depois EVARISTO
SALAZAR (Depois de fitá-los com ódio, a Serafim.) - Vá chamar o Evaristo. (Serafim sai.)
GUSTAVO - Para que o Evaristo?
SALAZAR - Com que direito me faz essa pergunta?
GUSTAVO - Não sei! Pergunto para que manda chamar o Evaristo?
SALAZAR - Para arrancar o couro àquele negro!
EVARISTO (Entrando.) - Pronto!
SALAZAR (Apontando para Lourenço.) - Ei-lo! Entrego-lho à discrição. (Evaristo, com um gesto de ameaça, dirige-se para Lourenço.)
GUSTAVO - Não lhe toque!
SALAZAR (À parte.) - Ah! (Alto, brandindo o chicote que arranca das mãos do feitor.) Pois começarei eu mesmo!
GUSTAVO (Interpondo-se.) - Por Deus, que o não há de fazer!
SALAZAR (Furioso.) - Afaste-se! Afaste-se! senão aplico-lhe uma chicotada!...
LOURENÇO (A Gustavo.) - Deixe-o, meu senhor... Eu sei o que devo fazer. (Sai. Evaristo acompanha-o, Gustavo quer também acompanhá-lo, mas cai abatido e tenta em vão erguer-se.)

CENA X
SALAZAR, GUSTAVO
SALAZAR - Filho do meu escravo!
GUSTAVO - Já o sabia?! Tanto agora como mais tarde!
SALAZAR - Esta sala não é lugar de moleques. Saia!
GUSTAVO (Erguendo-se a custo.) - Sairei... Antes, porém, há de ouvir-me...
SALAZAR - Não discuto com os filhos dos meus escravos!
GUSTAVO (Com calma terrível.) - Sou filho do seu escravo, sim, e nem por isso me julgo mais desprezível do que quando supunha ser seu filho, percebe? A febre escalda-me.., o delírio faz-me ver a nu a verdade das coisas... Ouça-me... (Segurando-o.) Desde o momento em que soube que me corria nas veias o sangue de um escravo, senti que este sangue vinha, não deturpar ou desonrar, mas sim tonificar o meu organismo, corrompido pela educação que o senhor me deu! Agora, ao menos, tenho no coração um sentimento, coisa que só de nome conhecia... Dinheiro! estolidez! vícios! crueldade! insolência! bestialidade! eis tudo quanto eu sabia do mundo. E foi o senhor que me ensinou! Percebe?
SALAZAR - Já disse que não discuto com um negro!...
GUSTAVO - Negro, sim! Sou da raça escravizada! Sinto as faces abrazadas pelo sangue ardente dos filhos do deserto, que os seus predecessores algemam à traição, para virem com eles poluir o seio virgem das florestas americanas! Negro, sim! Sou negro! Estou aqui em sua frente como uma solene represália de milhares de desgraçados cujas lágrimas o têm locupletado. Ah! os senhores pisam a tacões a raça maldita, cospem-lhe na face?! Ela vinga-se como pode, introduzindo a desonra no seio de suas famílias! (Cai extenuado e em prantos.) Ó minha mãe!
SALAZAR - Não me fale em sua mãe, senhor! se não estivesse louca, eu...

CENA XI
OS MESMOS, SERAFIM, que entra esbaforido, depois JOSEFA
SERAFIM - Patrão.., patrão... O Lourenço enforcou-se!
GUSTAVO (Com um grito.) - Enforcou-se! (Sai como um louco, mal podendo suster. Salazar tem um sorriso de satisfação.)
SERAFIM - Os negros, ao verem-no morto, revoltam-se, e, armados de foices, perseguem o feitor pelo cafezal a dentro! Acuda-o!
SALAZAR - Miseráveis! (Agarra uma espingarda que está a um canto e sai arrebatadamente)
SERAFIM (Só.) - Escapei de boas! Qual! Decididamente não me serve o ofício! É muito perigoso e eu tenho amor à pele! Vou fazer-me de novo abolicionista, e voltar ao Clube Pai Tomás, para ver se melhoro de condição...
JOSEFA (Entrando com muito medo.) - Senhor Serafim! Senhor Serafim! (Ouve-se fora vozeria confusa.) Misericórdia! (Foge, benzendo-se.)
SERAFIM - Eu aqui não estou seguro! Vou esconder-me no quarto da velha. (Sai. Continua a vozeria.)

CENA XII
SALAZAR, depois CAROLINA, depois escravos, o DOUTOR
O ruído cresce e aproxima-se. Ouve-se a detonação de uma espingarda. Salazar entra perseguido e coloca-se contra a porta, que de fora tentam arrombar.
SALAZAR - Venham! Morrerei no meu posto e venderei caro a vida!
CAROLINA (Entrando.) - Não se exponha! Fuja por ali, meu pai!
SALAZAR (Louco de furor.) - Seu pai? Eu! Procure-o no meio desses que vêm me assassinar. Talvez o encontre!
(Arrombam a porta. Entra uma multidão de escravos armados de foices e machados. Avançam para Salazar. Carolina, interpondo-se, ajoelha.)
CAROLINA (Com lágrimas na voz.) - É meu pai! Piedade! (Os negros ficam interditos, olham uns para os outros, abatem as armas e retiram-se resmungando, Salazar abraça Carolina e chora.)
SALAZAR - São as minhas primeiras lágrimas, Carolina! (Longa pausa, durante a qual Salazar soluça apoiado ao colo da filha.) Mas... Gustavo?
DOUTOR (Entrando.) - Fui encontrá-lo morto, junto ao cadáver de seu pai.
FIM DA PEÇA
(Cai o pano)